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domingo, 26 de junho de 2011

Um olhar sobre a deficiência

Por Joaquim Maia Neto
Cerca de 15% da população brasileira tem algum tipo de deficiência, segundo o censo 2010 do IBGE, o que representa um universo de mais de 28.600.000 pessoas. As deficiências são classificadas em visual, motora, auditiva, mental e física, e cerca de 40% dos que as têm, possuem mais de um tipo. 

Interessante notar que no dia-a-dia temos a impressão de que não há tantas pessoas com deficiência. Essa constatação é um mau sinal. Demonstra a nossa falta de preparo para lidar com esse contingente de pessoas que existem e têm o direito de usufruir dos benefícios que a vida em sociedade proporciona. Por que não vemos essas pessoas? Basicamente por dois grandes problemas: o preconceito e as barreiras. O preconceito faz com que as famílias e as próprias pessoas com deficiência fiquem reclusas, em maior ou menor grau. Isso ainda é muito comum em pequenas cidades do interior. As barreiras arquitetônicas, urbanísticas, de transportes ou de informações e comunicações, impedem ou dificultam muito o acesso de quem tem alguma deficiência, prejudicando até mesmo a sobrevivência dessas pessoas, pois as afastam do mercado de trabalho. No Brasil apenas 5% delas estão empregadas.
A inserção social das pessoas com deficiências vem crescendo no país, graças à luta de entidades comprometidas com a questão, ao avanço educacional e tecnológico e à evolução legislativa, que têm resultado em políticas públicas mais adequadas. A acessibilidade passou a ser uma preocupação obrigatória no planejamento público e nas atividades econômicas. Quando se discute acessibilidade, não estamos falando apenas das pessoas com deficiência, mas também de pessoas com mobilidade reduzida, seja de caráter permanente ou temporário, como idosos, pessoas obesas, gestantes, crianças, pessoas doentes ou com algum tipo de lesão temporária, etc.
A discussão e a implementação de políticas de acessibilidade há muito deixaram de ser vistas como mero assistencialismo. Hoje em dia o público beneficiado com essas políticas passa a ser visto como um conjunto de cidadãos com direitos e com potencial de inserção no mercado, tanto como trabalhadores, quanto como consumidores. O segmento do turismo, que é uma das atividades econômicas que mais crescem no mundo, é um exemplo de setor que passou a considerar a acessibilidade como um fator importante para aumento no faturamento e no desempenho de ações de responsabilidade social. O setor tem investido muito em construções acessíveis e em pessoal qualificado para atender pessoas com diferentes graus de limitações.
O Estado tem avançado ao criar leis para garantir os direitos das pessoas com deficiência como, por exemplo, as exigências de acessibilidade no transporte público em todas as suas modalidades e nos edifícios de uso público. As empresas com muitos funcionários têm percentuais obrigatórios de contratação de pessoas com deficiência. A regulação econômica dos serviços públicos concedidos tem incorporado exigências de atendimento às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.  
Não obstante os grandes avanços, percebemos que ainda há um grande passivo cultural e na execução das políticas públicas de acessibilidade. Na área de mobilidade urbana, deve-se tratar a questão de forma a garantir o máximo de autonomia para as pessoas que têm restrições em sua capacidade de locomoção, mas nem sempre é isso o que se vê. Ainda nos deparamos com muitas barreiras nas vias públicas. Nas calçadas são inúmeros os problemas que um cadeirante enfrenta. Faltam rampas nos cruzamentos e quando existem, muitas vezes têm uma inclinação que não atende às normas de acessibilidade, exigindo a ajuda de um terceiro para que sejam transpostas. É comum encontrar postes de sinalização, lixeiras e toldos em locais nos quais obstruem a passagem. O mesmo acontece com telefones públicos, que além de impedir a passagem, são raros os que têm altura adequada a um cadeirante. Degraus, muretas, rampas de acesso a garagens e pisos escorregadios são obstáculos igualmente comuns. Semáforos com dispositivos sonoros para cegos são raríssimos. No transporte coletivo urbano, quem se desloca com cadeira de rodas geralmente espera mais, pois muitos ônibus ainda não são acessíveis, apesar do crescimento da frota adaptada.
Não bastassem os obstáculos, ainda convivemos com situações de total desrespeito e falta de educação. Todos os dias vejo pessoas sem nenhuma limitação locomotora estacionando seus veículos, na maior cara-de-pau, nas vagas destinadas a pessoas com deficiência ou idosos. Em bares e restaurantes, muita gente utiliza o sanitário adaptado, muitas vezes emporcalhando-o, apenas para não ter que subir escadas, esquecendo-se que algumas pessoas não têm outra opção. Jovens ocupam assentos preferenciais no transporte coletivo e ainda é comum ver pessoas reclamarem do atendimento preferencial em bancos e estabelecimentos comerciais, como se não fossem ficar velhas ou com limitações. As companhias aéreas reduzem cada vez mais o espaço nas poltronas dos aviões, prejudicando principalmente as pessoas obesas.
O mesmo Estado que garante vagas separadas nos concursos públicos, exige, para alguns cargos, de maneira completamente desnecessária, um exame físico eliminatório que inviabiliza a participação no certame não apenas de pessoas que tem deficiência, mas de outras com mobilidade reduzida. Há casos em que estes exames se justificam, como para policiais militares ou agentes de polícia. Mas nos casos de peritos criminais ou delegados de polícia federal, só para citar dois exemplos, não há justificativa convincente, dada a predominância intelectual das atribuições. Até porque quando as deficiências ou reduções de mobilidade afetam esses profissionais após o ingresso na carreira, eles continuam na ativa, o que comprova a compatibilidade da condição de restrição com o exercício do cargo. A consequência prática dessa discriminação é o não aproveitamento de cérebros brilhantes que poderiam estar a serviço do Estado. Um exemplo da ficção ajuda a ilustrar a discussão: no filme “The Bone Collector”, exibido em 1999, o protagonista é um brilhante perito criminal tetraplégico, que desvenda a autoria de assassinatos em série.
As pessoas com deficiência são muito mais capazes do que pensa o senso comum. Como ocorre com todos, elas têm limitações em alguns campos, mas em compensação desenvolvem outras habilidades. O Brasil é referência mundial nos esportes paraolímpicos. As paraolimpíadas ajudam o mundo a valorizar as diferenças. Você, que agora lê este artigo, e que talvez não tenha deficiência, muito provavelmente tem um desempenho esportivo muito inferior ao dos atletas paraolímpicos. Já pensou nisso? Já pensou em uma pessoa portadora de deficiência praticando esportes de aventura?

Dadá Moreira e Joaquim Maia
no PARNA Serra da Canastra
Quando trabalhei no Parque Nacional da Serra da Canastra, tive uma lição de vida. Recebi a visita de Dadá Moreira, um advogado, jornalista e fotógrafo, portador de Ataxia Espinocerebelar, uma doença neurológica que prejudica o equilíbrio, a coordenação motora fina, a fala e a visão. Dadá é fundador da “Aventura Especial”, uma ONG que trabalha promovendo a recuperação psicossocial de pessoas que têm algum tipo de deficiência, por meio da pratica de esportes de aventura. Tive a oportunidade de assistir a uma palestra sua, após termos passeado juntos pelos principais atrativos do Parque Nacional, fazendo trilhas, nadando e tomando banho de cachoeira. A lição que aprendi com Dadá, é que a limitação está na nossa cabeça. Nosso preconceito e falta de confiança em nós mesmos e nos outros, são limitações muito superiores às limitações físicas. Vejam o vídeo da Aventura Especial no final do post, que é emocionante, e que vai fazer você rever seus conceitos. 
Dadá Moreira no
PARNA Serra
da Canastra
Dadá Moreira fez um diagnóstico sobre a acessibilidade no Parque, que infelizmente era e ainda é zero. O pior é que essa é a realidade da maioria das nossas unidades de conservação. Os Parques Nacionais e as demais unidades de conservação (UC) Federais, Estaduais, Distritais e Municipais onde a visitação pública é permitida são espaços privilegiados para a recreação em contato com a natureza e para o desenvolvimento do turismo de aventura. A visão de que, por serem ambientes naturais, não podem ser acessíveis, é equivocada e discriminatória. As pessoas com deficiência não reivindicam acesso a todos os atrativos de uma unidade de conservação, mas a alguns deles. Não se trata de negar as limitações, mas apenas de mostrar que as UCs, como qualquer outro espaço público, são de uso de todos, indistintamente. Todos os Parques deveriam ter alguns atrativos, de preferência os principais, com equipamentos de acessibilidade como rampas, passarelas, guarda-corpos, pisos adequados, entre outros, além de pessoas capacitadas para atender ao público que necessita desses equipamentos. Um pequeno impacto na paisagem poderia fazer com que o ambiente natural pudesse ser compartilhado por um número maior de pessoas.

As deficiências devem ser vistas pela sociedade com naturalidade, o que não quer dizer que devam ser ignoradas. O que há de mais rico na humanidade é a diversidade. As diversas manifestações culturais, étnicas, genéticas, religiosas, filosóficas, entre outras, nos ensinam a conviver com a diferença, e tal aprendizado enriquece a sociedade e ajuda a construir uma cultura de paz e tolerância. Nesse contexto, é importante que se entendam as deficiências como diferenças inerentes à diversidade humana, assim como o são outras formas de limitação. Aprendendo a conviver com as diferenças, podemos colaborar para que as limitações sejam superadas. Agir como se as deficiências não existissem é um erro e não ajuda a resolver o problema.

3 comentários:

  1. Excelente post Joaquim. leitura agradavel e tema importantissimo. A questão da acessibilidade ainda precisa evoluir muito em nosso país. A área de transporte, em especial, o aquaviário precisa repensar a inclusão de portadores de necessidades especiais, permanentes ou temporárias.Espero que esse post transite entre formadores de opinião e formuladores de políticas publicas inclusivas. Abração.

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  2. Bem legal o blog Joaquim,
    Ainda estamos muito longe do ideal, mas no Parque da Serra dos órgãos o centro de visitantes tem acessibilidade e existe a trilha suspensa, que permite acesso a cadeirantes em 1 quilômetro de trilha dentro da floresta, a até 8 metros de altura, permitindo um contato bem próximo com a copa das árvores da Mata Atlântica.
    Abraço, Ernesto

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  3. Infelizmente, o olhar a respeito da inclusão às vezes é muito distorcido. Daí a importância da divulgação, para que possa ser compreendido e aceito.
    Parabéns pelo post, muito claro, gostoso de ler e demonstra o verdadeiro sentido da inclusão.
    Grande Abraço.

    Adriana de Paula

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