Por Joaquim Maia Neto
Desde pequeno ouço muita gente dizer que o Brasil é um país com vocação agrícola. Nas aulas de geografia os professores enalteciam a grandeza territorial, a qualidade das terras e o clima, como fatores que comprovavam nossa aptidão rural. A repetição constante desse diagnóstico brasileiro fez o povo internalizar tal discurso e moldou os rumos da nossa economia. Essa visão não se modificou nem mesmo durante os períodos de crescimento da industrialização ocorridos durante os governos Vargas, JK e da ditadura militar.
Não há entre as nações mais desenvolvidas do mundo alguma que tenha a produção e exportação de produtos primários como carro-chefe de sua economia. É muito oneroso para qualquer país sustentar sua balança comercial exportando commodities primárias e importando bens com alto grau de elaboração tecnológica. A produção em larga escala de grãos e minério gera empregos em menor quantidade e de qualidade inferior e em geral concentra renda quando comparada com a atividade industrial de ponta. Além disso, devido ao baixo valor agregado dos produtos primários, é necessário um grande esforço quantitativo para fazer frente à demanda por produtos industrializados, que são muito mais caros.
A pauta brasileira de exportações concentra-se principalmente em minério de ferro, soja, petróleo bruto, carnes e açúcar. Estes cinco produtos representaram, em 2010, 43,36% do valor total exportado. Atualmente o Brasil tem sido beneficiado pela alta internacional dos preços das commodities, mas essa concentração é muito perigosa, pois historicamente há uma grande volatilidade nos preços dessas mercadorias.
A China, maior exportador do mundo, concentra suas exportações em produtos manufaturados, assim como os EUA que apesar de ser o maior produtor agrícola do mundo, tem fortíssimo predomínio de bens industriais nas suas exportações. A Índia, país emergente como o Brasil e a China, também exporta majoritariamente produtos industrializados.
O modelo de crescimento atualmente adotado pelo Brasil é atrasado. Pautar a balança comercial na exportação de produtos primários não nos levará a crescimento sustentável. Ao contrário, fará com que o país não se desenvolva tecnologicamente, concentrará ainda mais renda e promoverá o esgotamento dos recursos naturais e a degradação ambiental. Os investimentos em infraestrutura estão sendo direcionados em grande parte ao escoamento da produção mineral e agrícola, reforçando a política do atraso.
Na atual discussão sobre o código florestal, parlamentares da bancada ruralista tentam passar para a opinião pública a imagem de que o grande agronegócio brasileiro é o principal responsável pelo desenvolvimento do país, pelo crescimento econômico e pela produção de alimentos. Além de sua fragilidade, a atual política de desenvolvimento baseada no setor primário deixa muito a desejar em termos de produção de alimentos. Grande parte da área plantada não tem qualquer relação com provisão alimentar humana. A soja cultivada no Brasil é, em sua maioria, direcionada para a alimentação animal em outros países. Um grande percentual de terras cultivadas está comprometido com a produção de biocombustíveis. A comunidade científica tem afirmado reiteradamente que não é necessário reduzir a proteção das florestas para expandir a produção de alimentos no país. As áreas legalmente desmatadas existentes atualmente são suficientes para atender as necessidades brasileiras, bastando apenas algum avanço na implementação de tecnologia produtiva, já disponível no país. Por que, então, os ruralistas querem reduzir as exigências conservacionistas da atual legislação?
Um argumento muito utilizado e que se dissemina com facilidade em meio à população desavisada, convencendo até mesmo pessoas preocupadas com o equilíbrio ambiental, é o de que a legislação brasileira tem exigências que não existem em nenhum outro lugar do mundo, como a reserva legal, e que os países desenvolvidos têm extensão de áreas conservadas muito inferiores a do Brasil. Em recente artigo na Folha de São Paulo a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) classificou a reserva legal como uma “jabuticaba jurídica” e criticou o atual código florestal comparando a realidade brasileira com a da Europa e dos EUA, que teriam, segundo a senadora, 0,2% e 23% de vegetação nativa em seus territórios, respectivamente.
Comparar a realidade ambiental brasileira com a dos países desenvolvidos, no sentido de defender parâmetros de conservação semelhantes entre essas realidades distintas, não faz o menor sentido, prestando tal comparação apenas a confundir a opinião pública. A diversidade biológica, de hábitats e de ecossistemas do Brasil é extremamente superior à diversidade original dos países do hemisfério norte. Quando comparado com as civilizações europeias, cronologicamente nosso país pode ser considerado uma criança. Durante o desenvolvimento daquelas civilizações não havia no mundo qualquer preocupação ambiental. Ninguém sequer sabia do caráter finito dos recursos naturais e não se tinha a noção de que as alterações provocadas pelo homem no ambiente poderiam trazer consequências negativas. Quando essa consciência surgiu a Europa já tinha grande parte do seu território ocupada e alterada por atividades antrópicas. O percentual de vegetação nativa existente nos EUA é maior do que aquele que se exige nas propriedades rurais brasileiras localizadas fora da Amazônia Legal. Ainda assim não é um percentual grande quando comparado com o do Brasil, mas os EUA, apesar de ser um país jovem, tiveram um processo de industrialização muito mais antigo e intenso do que o brasileiro e também não são nenhum exemplo de conservação ou de preocupação ambiental. Constata-se isso facilmente ao analisar os posicionamentos daquele país nas discussões internacionais sobre meio ambiente.
O caminho que o Brasil deve traçar para seu desenvolvimento não é a imitação dos países desenvolvidos. Não há espaço para isso no atual contexto global. Seguir o mesmo caminho que seguiram os europeus é fechar os olhos para a história, levando ao cometimento de erros que hoje em dia são imperdoáveis. As consequências da degradação ambiental não se restringem ao território dos países onde elas acontecem. Não é porque muitos países se desenvolveram dilapidando de seu patrimônio natural que temos que fazer o mesmo. Imitá-los comprometeria a todos. O que devemos fazer é exigir compensações das nações ricas pelo serviço que estamos prestando ao mundo ao resgatar o passivo que elas deixaram. Muitos países desenvolvidos estão dispostos a arcar com parte desses custos. Além disso, o patrimônio natural brasileiro é um recurso econômico muito mais rentável ao país caso seja explorado de maneira sustentável.
As florestas em pé geram muito mais oportunidades econômicas ao Brasil do que quando são derrubadas, e esse é o diferencial que temos em relação aos demais países. Podemos gerar receita, renda, empregos, oportunidades e desenvolvimento muito mais satisfatórios com nossos recursos naturais do que os que estão sendo gerados com a produção de commodities. Um estudo recente desenvolvido pelo Programa das Nações Unidades para o Meio Ambiente – UNEP e pelo Ministério do Meio Ambiente¹ demonstrou que as unidades de conservação têm potencial para gerar mais de 10 bilhões de reais de receita por ano com exploração sustentável de madeira, extrativismo, visitação, estoque de carbono e ICMS ecológico. Não foram computados recursos para os quais não existem ainda técnicas de valoração confiáveis. Nossos recursos ambientais não se resumem aos existentes nas UCs e, portanto, o potencial econômico da conservação é ainda maior.
O turismo ambiental, o acesso ao patrimônio genético com o pagamento pelo conhecimento tradicional associado e a prospecção da biodiversidade para a produção de fármacos são exemplos de atividades que são subaproveitadas no país e que têm grande potencial econômico aliado à conservação. Estamos perdendo esse potencial por insistir no uso irracional dos recursos naturais, pensando de maneira muito imediatista. Preferimos o caminho mais curto. Para quebrar o paradigma e chegar a um patamar superior de utilização das riquezas naturais, precisamos aumentar os investimentos em ciência e tecnologia. Isso nos levaria a um desenvolvimento maior e duradouro.
Resumir o aproveitamento da natureza à exploração mineral e agrícola é a escolha por uma caminhada de pouco fôlego, um desperdício. É condenar o país à mediocridade. É a opção que nos manterá como quintal das nações desenvolvidas e como eternos provedores de matéria prima e importadores de tecnologia, perpetuando a situação de dependência. Para matar nossa fome, estamos cozinhando a galinha dos ovos de ouro.
A vocação do Brasil é aproveitar o que o país tem de mais rico: sua biodiversidade que o distingue das demais nações. Para fazer isso adequadamente é preciso conservar. Os países desenvolvidos não o fazem porque não têm o que nós temos. É falacioso o discurso de que políticas conservacionistas são imposições estrangeiras com o objetivo de tirar a competitividade agrícola brasileira. Destruir florestas e poluir para gerar superávit comercial com a venda de ferro, soja, petróleo bruto, boi e açúcar não nos levará ao patamar de desenvolvimento que desejamos. Essa prática é concentradora de renda e geradora de pobreza no longo prazo. Atualmente só não está causando o agravamento dos problemas sociais porque estamos investindo em políticas assistencialistas de transferência de renda e vivendo em um contexto internacional favorável, com a crescente demanda chinesa. Mas até quando isso se sustentará?
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¹ Medeiros, R.; Young; C.E.F.; Pavese, H. B. & Araújo, F. F. S. 2011. Contribuição das unidades de conservação brasileiras para a economia nacional: Sumário Executivo. Brasília: UNEP-WCMC, 44p.