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domingo, 10 de julho de 2011

As PCHs do Rio Turvo e o movimento ambientalista

por Joaquim Maia Neto

O Rio Turvo é um afluente da margem esquerda do Rio Grande, localizado inteiramente no estado de São Paulo. Nasce no município de Monte Alto e percorre aproximadamente 267 km até o seu desague, no município de Cardoso, divisa com Minas Gerais.
Mapa da Bacia Hidrográfica do Turvo/Grande
 No noroeste paulista, região onde o rio se localiza, predominam, do ponto de vista hidrográfico, grandes reservatórios artificiais oriundos de barragens de usinas hidrelétricas situadas nos rios Grande e Paraná. Devido às profundas alterações ambientais causadas pelas hidrelétricas, o Turvo passou a ser um dos rios mais importantes da região. Por ser um dos maiores cursos d’água livres de barramentos, desempenha um importante papel na conservação da ictiofauna. A topografia de sua bacia hidrográfica fez com que o rio desenvolvesse meandros e possibilitou uma grande planície de inundação que gera uma considerável diferença no tamanho do espelho d’água entre as estações seca e chuvosa. Essa diferença faz surgir, todos os anos, muitas lagoas marginais temporárias, perfeitos berçários naturais para alevinos de muitas espécies de peixes de piracema, que migram em direção às cabeceiras em cada ciclo reprodutivo. Permitindo que os peixes migrem e garantindo abrigo aos filhotes, o rio contribui significativamente para a manutenção da biodiversidade local, ameaçada pelos grandes barramentos.
Lagoas marginais do Turvo
(foto Amélito Fidélis)
Apesar de sofrer com grandes agressões, como supressão da vegetação ciliar, contaminação com agrotóxicos, captação excessiva de água para irrigação, pisoteio de gado na planície inundável, pesca predatória, entre outros, o Turvo propicia um grande espetáculo natural com ecossistemas que hoje são pouco comuns em São Paulo. É possível observar grandes concentrações de aves aquáticas buscando alimento em suas lagoas marginais e ainda há muitos peixes que são cada vez mais raros em outros rios, como o dourado, por exemplo. O sistema de meandros e lagoas marginais é tão rico e belo, que eu sempre achei que ali deveria ser criada uma unidade de conservação de proteção integral, como um Parque, que possibilitasse o desenvolvimento do turismo, o que é difícil principalmente devido ao valor das terras que deveriam ser desapropriadas.
Como se não bastassem as dificuldades que o Turvo enfrenta, uma nova ameaça paira sobre seu destino. A empreiteira Encalso pretende obter autorização da ANEEL para explorar o potencial hidrelétrico do Turvo, construindo duas Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), uma na foz do Rio Preto e outra na Cachoeira do Talhadão, um importante atrativo turístico regional. As PCHs projetadas, apesar de operarem no modelo chamado “fio d’água”, não dispensarão barramentos e reservatórios para regularização de vazão. No total, serão alagados 7,9 quilômetros quadrados para gerar 28 MW de energia. O Prof. Dr. Arif Cais, biólogo da UNESP, calcula que a PCH do Talhadão reduzirá em 60% a vazão da cachoeira, o que prejudicará o turismo, a fauna aquática e todo o ecossistema.
Usinas hidrelétricas são empreendimentos causadores de diversos impactos ambientais. As PCHs são vantajosas em comparação com as grandes usinas. Seus reservatórios alagam áreas substancialmente menores e geralmente a relação entre área alagada e capacidade de geração é mais favorável. Apesar da vantagem ambiental, a construção de várias PCHs em uma bacia hidrográfica, muitas vezes em sequência ao longo de um rio, acaba potencializando o impacto. Nos processos de licenciamento ambiental desse tipo de obra é necessário que se faça uma análise integrada dos impactos causados pelos empreendimentos já existentes na bacia e uma projeção da situação futura. Em geral, os estudos integrados demonstram que o conjunto dos impactos é maior do que a soma dos danos de cada empreendimento analisado individualmente, pois existem efeitos cumulativos e a magnificação de um empreendimento sobre o outro.  
Cachoeira do Talhadão
(foto Amélito Fidélis)
No caso específico do Rio Turvo, mesmo que se construam apenas as duas PCHs propostas, a situação já se torna grave devido à alteração generalizada da bacia do Rio Grande causada pelas grandes hidrelétricas. Além dos impactos óbvios do alagamento, da supressão da vegetação e da movimentação de terra para construção do canal de adução, há ainda o impacto cênico na Cachoeira do Talhadão, causado pela redução drástica da vazão, e o impacto sobre a ictiofauna, que talvez seja o maior deles. Para quem não conhece, é bom que se diga que a Cachoeira do Talhadão não é um obstáculo para a piracema, pois ela é baixa e permite que os peixes saltem para montante, desde que haja água suficiente. O mesmo não ocorrerá com as barragens. Estas impedirão que as espécies realizem o fluxo migratório. A construção de “escadas de peixe” é uma boa medida mitigadora, mas não resolve o problema porque elas não são efetivas para boa parte das espécies.
Como tudo tem dois lados, o lado bom dessa história é a mobilização comunitária em torno do tema. Uma ONG ambientalista da região, a Associação de Defesa do Meio Ambiente, dos rios Turvo e Preto e da Cachoeira do Talhadão (AMERTP), iniciou uma grande campanha contra a construção das PCHs e, com a ajuda da comunidade científica, convenceu a população de que a região já produz a energia que precisa e que os benefícios a serem gerados pelas usinas não compensarão os danos ambientais. Foram realizadas petições eletrônicas, manifestações presenciais e articulações políticas. Conseguiram a proeza de trazer para o seu lado políticos de diversos partidos, que muitas vezes são oponentes entre si. Um senador do PSDB, três deputados federais (PSDB, DEM e PMDB) e três deputados estaduais (PT, PPS e PRB), ou seja, todos os sete parlamentares da região estão unidos em prol do meio ambiente e do interesse comunitário e contra uma empreiteira. Isso não é comum. É resultado da força do movimento. Mas não significa que a luta foi vencida, porque prefeitos estão sendo cooptados para defender as PCHs.
Vegetação ciliar do Rio Turvo
(foto Amélito Fidélis)
O caso regional do Turvo traz uma grande lição ao movimento ambientalista. É muito difícil convencer a sociedade partindo dos grandes temas. As lutas ambientais de âmbito nacional ou global são importantes, mas paralelamente deve-se construir uma massa crítica bem mais ampla, e só se chega a isso nas lutas locais, que afetam diretamente a população. Certamente a comunidade do município de Palestina, localidade onde está a cachoeira do Talhadão, está mais sensível para a questão ambiental e mais predisposta a apoiar lutas como as que as grandes ONGs ambientalistas promoveram contras as usinas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte, na Amazônia. Assim como mobilizaram seus parlamentares para uma causa local, poderão fazê-lo no futuro para causas maiores. Agora sabem o que é uma audiência pública de licenciamento, pois vão participar das que discutirão as PCHs do Turvo.
Grandes ONGs, como Greenpeace, WWF, ISA, SOS Mata Atlântica, Conservação Internacional, entre outras, que têm grande capacidade de financiamento e articulação, deveriam fazer parcerias com ONGs regionais, como a AMERTP e tantas outras que estão no dia-a-dia das comunidades apoiando suas causas regionais. Em troca, teriam um contingente maior de pessoas sensibilizadas com a causa ambiental, que poderia ajudar na pressão política necessária ao equilíbrio, hoje incipiente, entre meio ambiente e desenvolvimento. É para essas pessoas, que estão nas comunidades, que os políticos pedem voto, e não para os dirigentes das grandes ONGs. A conjuntura ambiental pela qual o mundo está passando já não permite que os ambientalistas falem para poucos, para seus iguais. A participação comunitária no assunto é essencial para vislumbrarmos o dia em que um dano ambiental incomodará a sociedade tanto quanto a falta de vagas nos hospitais ou de professores nas escolas.


Projeto da PCH do Talhadão (arte Diário da Região)


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