por Joaquim Maia Neto
Tramita desde o fim do ano passado no Congresso Nacional o Plano Nacional de Educação (PNE), que deverá traçar as diretrizes e metas para melhorar a educação brasileira no decênio 2011-2020.
Uma das metas propostas trata do financiamento da educação pública, particularmente do percentual do PIB a ser investido na área. O Brasil aumentou seu investimento em educação de 3,7% do PIB entre 1994 e 2000 para os atuais 5,2% a partir de 2007. O Governo propõe uma meta de 7% a ser alcançada até 2020, enquanto os movimentos sociais, entidades sindicais representativas dos trabalhadores em educação e dirigentes municipais de ensino defendem uma meta mais ousada, de 10% do PIB.
Quando comparamos o percentual do PIB investido em educação pública no Brasil com a realidade dos países desenvolvidos, percebemos que o nosso país não está mal. A média dos membros da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), organismo multilateral que congrega a maioria das nações mais desenvolvidas do mundo é de 5,7%. O investimento brasileiro supera o do Japão, que é de 4,9% do PIB.
Diversos estudos mostram que o aumento dos gastos públicos com educação não tem relação direta e linear com o crescimento da qualidade de ensino. A qualidade cresce em função do investimento até um determinado patamar de gasto, a partir do qual o crescimento da despesa não implica ganho qualitativo. Tal constatação aliada ao alto percentual do PIB investido atualmente em educação no Brasil não significa que não precisamos aumentar os investimentos. Há um número pouco divulgado que mostra onde realmente está o problema do financiamento educacional no país. Em termos de paridade de poder de compra (dado normalmente divulgado com sua sigla em inglês “PPP”), que permite uma comparação mais precisa entre países com realidades distintas, o Brasil está muito abaixo dos padrões de gastos públicos com educação da OCDE. Em 2007 gastamos US$ 1599 por aluno na educação infantil e US$ 2080 no ensino fundamental contra a média da OCDE de US$ 5447 e US$ 8216, respectivamente. No ensino médio o abismo é ainda maior: US$ 1427 no Brasil e US$ 8746 na OCDE. Portanto, ainda não chegamos ao topo da curva.
O problema, então, não é a discussão sobre aumentar ou não os investimentos em educação. O aumento é nitidamente necessário. A questão é o parâmetro escolhido para a meta, que deveria ser em termos de gasto por aluno, e não em percentual do PIB. O Brasil terá muito brevemente uma janela de oportunidade que possibilitará ampliar o gasto por aluno sem continuar aumentando a fatia do PIB investida na área educacional. Como a população brasileira está envelhecendo rapidamente, num futuro próximo teremos a população escolar significativamente menor que a atual. Em 2005 a população brasileira em idade escolar era de 50% do total. Estimativas do Banco Mundial indicam que esse percentual será reduzido para 29% em 2050.
No contexto atual, não há como melhorar a qualidade educacional do Brasil sem ampliar os investimentos públicos. Setores da sociedade avessos ao fortalecimento do Estado e à ampliação dos investimentos públicos na área social, que tiveram ampla voz na década de 1990, se utilizam do percentual do PIB para clamar contra mais recursos na educação, recorrendo a exemplos de melhoria qualitativa sem aumento de despesas. Esses exemplos existem e devem ser perseguidos paralelamente à expansão do financiamento, pois ainda não atingimos o patamar mínimo necessário para garantir qualidade compatível com a universalização alcançada na década de 90. É interessante notar que as mesmas elites que se insurgem contra a ampliação do investimento público, não pensam da mesma maneira ao investir na educação de seus filhos. Estudo do Instituto Insper demonstra que o investimento em ensino privado no país corresponde a 1,3% do PIB, contra 0,9% na média dos países da OCDE. A educação de qualidade no Brasil está privatizada e tem gente querendo que continue assim, pois mecanismos de concentração de renda que perduraram por muito tempo permitiram que um pequeno percentual abastado da população garantisse educação de qualidade aos seus filhos, pouco se importando com a situação geral do país. A proposta do senador Cristóvam Buarque (PDT/DF) de obrigar os políticos a matricular seus filhos em escola pública deve ter sido motivada pela análise dessas desigualdades. Em que pesem críticas à constitucionalidade da proposta, não deixa de ser uma inciativa interessante.
Um grande avanço no financiamento da educação foi a transformação do antigo FUNDEF, fundo criado no governo FHC que atendia apenas ao ensino fundamental, no atual FUNDEB, que contempla toda a educação básica. Isso está ajudando a corrigir uma distorção: o país ainda concentra seus gastos públicos nos ensinos fundamental e superior, negligenciando a educação infantil e o ensino médio. Aqui o gasto por aluno no ensino médio é inferior ao efetuado em todos os outros níveis. Gastar mais com estudantes do nível infantil e fundamental do que com os do ensino médio é uma situação difícil de explicar aos especialistas de países desenvolvidos.
Além do debate sobre o financiamento, outros fatores devem ser considerados na busca da sonhada melhoria da qualidade do ensino público. Um dia, queira Deus, atingiremos um patamar adequado de investimento, mas não podemos aguardar esse dia para resolver problemas qualitativos que não dependem apenas da quantidade de recursos. Os gastos em educação são pequenos, mas esse não é o maior problema. A qualidade do gasto é muito ruim. Boa parte do que os municípios investem na educação é direcionada para compensar carências sociais que, se não resolvidas, emperram o aprendizado. Gastam-se grandes montantes de recursos em calçados e passagens de ônibus, por exemplo, distribuídos aos estudantes para viabilizar a frequência escolar de crianças cujas famílias não dispõem de recursos para adquiri-los e que residem em locais onde não há escolas em número suficiente.
Os professores ainda são mal remunerados. Muitos quadros bem capacitados, que cursaram licenciaturas em boas universidades deixam a educação para atuar em áreas de maior reconhecimento. Os estudantes deixaram de ver no professor a figura de um profissional bem sucedido e isso interfere no respeito dedicado ao docente e consequentemente na disciplina necessária em sala de aula.
A capacitação é um dos grandes gargalos. As novas tecnologias, cada vez mais acessíveis aos estudantes, estabelecem a exigência de novas formas de ensino, muito mais dinâmicas, lúdicas e interativas. Mesmo que haja equipamentos tecnológicos à disposição do docente, o que ainda é incomum, não se conseguirá obter um bom aproveitamento caso o professor não tenha recebido a devida orientação. Grande parte dos profissionais da educação está sendo formada em faculdades privadas descomprometidas com a qualidade do ensino. Um rígido controle sobre os cursos de licenciatura repercutirá positivamente sobre o ensino público.
A avaliação dos sistemas de ensino e do desempenho dos estudantes foi a maior contribuição que o falecido ex-ministro Paulo Renato deixou ao país. Porém, as avaliações não podem levar a resultados apenas numéricos de atendimento a parâmetros pré-estabelecidos que muitas vezes não refletem a qualidade. Ainda hoje diretores de escolas são cobrados quanto à redução das taxas de reprovação e evasão, sem a exigência de mecanismos que supram as deficiências de aprendizado acumuladas pelos estudantes com baixo desempenho. A chamada “progressão continuada”, apelidada de “aprovação automática” foi implantada de maneira distorcida no Brasil, focada apenas na melhoria de índices a serem divulgados aos organismos internacionais. Iniciativas como as classes de aceleração e outras similares, que seriam uma esperança de resolver verdadeiramente o problema, foram abandonadas. O resultado é o caminho mais fácil: os diretores pressionam os docentes para que não haja reprovações, garantindo prêmios em dinheiro e ausência de incômodos por parte das secretarias de educação.
Acredito que ainda temos um grande caminho para descobrir como garantir qualidade no atual contexto mais democrático de inclusão e de busca pela universalização da educação básica. Os modismos baseados em teorias acadêmicas que às vezes deram resultado em contextos muito diferentes do brasileiro devem ficar para trás. Temos que encontrar nossa própria fórmula. Acho que a descoberta passa pela flexibilização dos nossos sistemas de ensino. É necessária uma pluralidade de métodos, disponíveis nas redes públicas, com a possibilidade de escolha democrática por parte das comunidades escolares e com a exigência de metas de desempenho do aprendizado real. Poderiam ser mantidas escolas com modelos tradicionais convivendo com outras de metodologia heterodoxa, como a da portuguesa Escola da Ponte, onde os alunos não são agrupados por classes ou anos de escolaridade, mas ao contrário, há grande liberdade de escolha entre os grupos de trabalho que melhor atendam às habilidades e afinidades de cada estudante.
O Estado deve garantir um financiamento que possibilite equipar as escolas, capacitar os professores, remunerar bem os profissionais da educação e fomentar a participação da sociedade na gestão escolar. É necessário garantir autonomia para que cada comunidade escolha o modelo que deseja seguir, assessorada por uma equipe capacitada de profissionais da educação que tenha condições de implementar um projeto político-pedagógico construído coletivamente. As avaliações de desempenho devem ser amplamente divulgadas, para possibilitar a adequação dos rumos de maneira dinâmica. Este não é um sonho distante. É bem palpável, bastando vontade política, planejamento e participação popular para que seja alcançado.
Parabens pelo tema Joaquim. O post ficou enxuto, mas profundo. A ideia da obrigatoriedade de políticos colocarem seus filhos para estudarem, desde o ensino fundamental, já é aplicada em alguns países da Europa. Fazer sentir na pele ou no bolso. Duas formas eficazes para se obter resultado na política brasileira.
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