por Joaquim Maia Neto
A presidente Dilma Rousseff irá reduzir, por medida provisória, áreas de três unidades de conservação da natureza localizadas na Amazônia. O objetivo das desafetações do Parque Nacional da Amazônia e das Florestas Nacionais de Itaituba 1 e 2 é possibilitar o alagamento para viabilizar a construção de duas grandes usinas hidrelétricas. Outras unidades e algumas terras indígenas localizadas do bioma também estão na mira do governo. A Lei que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação impede, em alguns casos, e restringe em outros, a utilização dessas áreas protegidas para a implantação de empreendimentos que causam impacto ambiental. A mesma Lei determina que as áreas das unidades de conservação só podem ser desafetadas por meio de Lei.
A notícia foi divulgada poucos dias após o presidente do IBAMA declarar, em entrevista sobre a UHE de Belo Monte, que seu trabalho não é cuidar do meio ambiente. Ainda que a afirmação tenha sido um ato falho, talvez motivado pelo fato de estar se comunicando em um idioma estrangeiro, não deixa de ser sintomática. A declaração me fez relembrar outra, da então ministra chefe da Casa Civil, hoje presidente da república, que em Copenhague, durante a COP-15, disse que “o meio ambiente é sem dúvida nenhuma uma ameaça ao desenvolvimento sustentável”.
A psicologia explica que quando se comete um erro de discurso desse tipo, muitas vezes há alguma motivação, pouco consciente, oriunda de uma convicção próxima do que se disse, ou ainda causada por uma pressão no sentido de agir diferentemente do que deveria ser dito.
A prática da atual presidente da república, desde os tempos do Ministério das Minas e Energia, sempre foi de contraposição à área ambiental do governo, coerentemente com sua linha desenvolvimentista. Por sua vez o IBAMA nunca foi tão pressionado a agir em confronto com os objetivos de conservação da natureza constantes da Lei que o criou. Sendo assim, ambos os atos podem não ter sido tão falhos assim.
Analisando dessa forma, percebe-se certa dificuldade em responder a pergunta que intitula este artigo.
Desafetar unidades de conservação, por qualquer que seja o motivo, é uma ação que deveria ser precedida de estudos técnicos e científicos que justifiquem essa decisão, já que a criação delas é baseada em estudos que indicam a necessidade de se proteger os atributos naturais existentes num determinado espaço territorial. O próprio legislador, ao determinar a exigência de Lei para se reduzir ou extinguir uma unidade de conservação, ainda que criada por decreto, levou em consideração o princípio da precaução que está consolidado no direito ambiental e que visa impedir que a falta de informação científica possibilite uma perda irreparável dos recursos naturais com o consequente comprometimento dos seus serviços ambientais. Sabemos que a tramitação de um projeto de Lei envolve tempo e discussão, fatores que permitem trazer à luz as informações obtidas nos estudos. Em sentido contrário, a utilização de medida provisória para essa finalidade, além de arbitrária, distorce completamente o sentido da existência das unidades de conservação, pois subverte a relativa rigidez necessária na delimitação das áreas, fundamental para o planejamento e a gestão da conservação. Qual a urgência e a relevância que justificam uma MP dessas, se a construção de UHEs é uma atividade que envolve planejamento?
Parque Nacional da Amazônia Foto: Arquivo ICMBio |
Os gestores das unidades a serem vitimadas por essa autoritária investida anti-ambiental do governo, manifestaram-se contrariamente à proposição, mas surpreendentemente, ou nem tanto, a direção do Instituto Chico Mendes, entidade gestora das unidades de conservação federais, vê esse processo com naturalidade, considerando-o “normal”. De fato a desafetação de unidades de conservação lentamente vem se tornando normal. Foi assim com a Floresta Nacional do Bom Futuro, em Rondônia, onde após grandes investimentos financeiros em uma megaoperação de fiscalização, houve a exclusão de cerca de dois terços da área para beneficiar pecuaristas produtores de “bois-piratas”. Provavelmente será assim no Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, onde parlamentares patrocinam um esquartejamento dos seus limites para que se perpetuem as queimadas e a exploração de rochas e diamantes no “berçário“ das águas do São Francisco. Além das reduções, observamos uma drástica desaceleração no ritmo de criação de novas unidades desde o segundo mandato do presidente Lula. Pelo jeito não é só o IBAMA que não cuida do meio ambiente.
Não importa quantas espécies vão se extinguir, quantas aldeias indígenas vão ser desalojadas, quantas unidades de conservação vão sucumbir ou quanto território será desflorestado. Precisamos de energia! E tem que ser hidrelétrica, pois é assim que o governo (ou as empreiteiras?) quer. Está sendo discutido, no âmbito do Ministério das Minas e Energia, o Plano Decenal de Expansão de Energia (2011-2020). No relatório de 343 páginas colocado à consulta pública, há um único parágrafo específico sobre fontes alternativas de energia e que ainda inclui entre estas as pequenas centrais hidrelétricas.
O PT é um partido com forte histórico de discussão e defesa das causas sociais e ambientais. Desde muito tempo organizou coletivos de meio ambiente em suas instâncias partidárias e formou muitos quadros na área. Esses quadros hoje estão no governo, apesar de alguns deles terem saído por divergências, como a própria Marina Silva. Por que, então, vemos tamanho retrocesso? Esse chamado “governo de coalizão” é um “governo em disputa”, como diziam aos dissidentes os petistas recém-alçados ao poder no Governo Lula. Esta é uma realidade tão certa quanto o fato de que a disputa está sendo amplamente vencida pelo “inimigo”. No loteamento que garante a governabilidade, o PT ficou com o controle da macroeconomia, da articulação política e com as áreas sociais, o que já é capaz de contemplar boa parte dos grupos do partido. Entre as pastas sociais estão saúde e educação, com orçamentos gigantescos controlados por petistas. Mas justamente os ministérios da agricultura, minas e energia e transportes, afins ao desenvolvimentismo que tem na figura da presidente da república seu grande baluarte, estão com aliados fisiológicos. São ministérios que movimentam grandes montantes de recursos, que gerem grandes contratos e que despertam grandes interesses. O recente escândalo nos transportes deixou isso evidente.
O raciocínio é simples: juntando-se uma presidente que não tem o DNA do PT (não tem a vivência nos coletivos partidários) e que é a “mãe do PAC” com aliados fisiológicos que controlam as pastas que tocam esse PAC, cria-se um terrível desequilíbrio na correlação de forças da disputa do poder. Não estou aqui tratando das questões éticas, porque nesse ponto a presidente é bem menos transigente que seu antecessor, fato que ficou nitidamente demonstrado com o afastamento sumário das cúpulas do DNIT, Valec e MT. Falo justamente do jogo de poder e de interesses. Como os projetos desenvolvimentistas aparentemente não se chocam com as áreas de educação e saúde e dão o norte à área econômica, quem é atropelado é o Ministério do Meio Ambiente.
Os históricos petistas do MMA, cuja prática é a mais democrática possível, são transparentes em tudo o que fazem. Envolvem os demais ministérios nas discussões ambientais e buscam a conciliação. Acreditam nessa forma de resolver conflitos. Enquanto isso levam rasteiras dos colegas de outros ministérios. Foi o que aconteceu com a votação do Código Florestal. O Ministério da Agricultura articulou-se nos bastidores e levou a base aliada e a maior parte da bancada petista a votar num texto retrógrado. Os outrora combativos militantes socioambientais aninhados na Esplanada, hoje estão passivos, aceitando mínimas mitigações nos licenciamentos ambientais das vergonhosas UHEs amazônicas, minúsculas reformas no horrível código florestal aprovado pela Câmara, insignificante participação na discussão da matriz energética, entre outras migalhas, sob o argumento que o governo estaria pior sem eles. Hoje são dirigidos no MMA e nas autarquias vinculadas, por “quadros com perfil técnico”, cuja ação prática é mais política do que a de políticos que os antecederam em governos passados.
Nos aniversários de 15 e 21 anos do IBAMA, o instituto adotou nas comemorações o slogan “cuidando do Brasil”. “Vamos Cuidar do Brasil” também foi o tema da II Conferência Nacional do Meio Ambiente, promovida pelo MMA. Se o papel dessas instituições não é o de cuidar do meio ambiente, resta saber qual é o Brasil que querem cuidar. O Brasil sustentável, com qualidade ambiental e oportunidades para as próximas gerações, e com respeito ao meio ambiente, aos povos indígenas e a todas as formas de vida, não é o que vem sendo projetado pelas empreiteiras, pelos ex-dirigentes das entidades ligadas ao Ministério dos Transportes, pelas Medidas Provisórias e pelos parlamentares que desmontam a legislação ambiental.
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