Por Joaquim Maia Neto
Não é exagero afirmar que essa reunião mudou o mundo. Os trabalhos apresentados trouxeram o conceito da seleção natural e a explicação sobre a origem das espécies, ideias fundamentais para que a comunidade científica aceitasse, anos depois, a chamada “Teoria Evolutiva”, base da biologia moderna que prefiro chamar de Lei, dada sua ampla comprovação.
Darwin se notabilizara no meio acadêmico devido à viagem que empreendeu ao redor do mundo a bordo do navio Beagle entre 1831 e 1836. A viagem, que incluiu o Brasil, resultou na publicação de um livro, em 1839, na forma de diário e anotações, com importantes relatos científicos abrangendo as áreas da biologia, geologia e antropologia. Em 1838, Darwin, então com 29 anos de idade, já havia formulado a teoria da seleção natural, mas demorou vinte anos para publicá-la, temendo represálias da Igreja e da sociedade da época. Ideias evolucionistas eram tidas como contestação à crença em Deus e associadas a radicalismo político e ele temia que a divulgação de suas teses levasse à ruína social de sua família. Durante o lapso temporal entre a viagem do Beagle e a apresentação na Sociedade Lineana, foi aprimorando sua teoria secretamente, conversando sobre seus pensamentos com poucas pessoas mais próximas.
Alfred Russel Wallace (1823-1913) |
Wallace, ao contrário de Darwin, não pertencia à aristocracia vitoriana. Era galês e sua família de classe média chegou a passar dificuldades financeiras. Inspirado por naturalistas viajantes resolveu empreender expedições para o estudo da história natural e em 1848, com apenas 25 anos de idade, partiu para o Brasil e realizou estudos na Floresta Amazônica. Depois viajou ao Arquipélago Malaio, onde acabou desenvolvendo uma teoria de origem das espécies. Costumava se corresponder com Darwin sobre seus estudos e em 1858 encaminhou a ele um manuscrito que, embora não tratasse da ideia de seleção natural, abordava a divergência evolutiva entre as espécies. Darwin já havia sido alertado sobre a necessidade de publicar seus trabalhos, sob pena de perder a precedência. Foi então que propôs a Wallace a apresentação conjunta.
Alguns historiadores da ciência defendem que Wallace foi prejudicado ao enviar seu manuscrito a Darwin porque isso precipitou a publicação de “A Origem das Espécies”. Darwin teria utilizado algumas descobertas de Wallace em seu livro. Na verdade, o próprio Wallace concordou com a divulgação conjunta de suas teorias, pois reconhecia a superioridade do prestígio acadêmico de seu colega. Se Wallace divulgasse seus estudos isoladamente talvez suas ideias não tivessem o mesmo impacto. Sem entrar no mérito de quem merece ser reconhecido como o “pai da teoria evolutiva”, o fato é que Darwin fez a descoberta primeiro, até porque era mais velho, mas não a publicou, e se Wallace não tivesse se comunicado com ele, teria publicado primeiro.
Charles Robert Darwin (1809 - 1882) |
O mérito de Darwin para a compreensão da evolução é inegável, mas a contribuição de Wallace, de maneira geral, não tem sido reconhecida como deveria. Ele é autor da teoria da evolução tanto quanto Darwin, não apenas por tê-la desenvolvido paralelamente, mas porque há pequenas diferenças de abordagem que dão um caráter de complementariedade aos estudos de ambos. Em 1955 Wallace já havia publicado um trabalho propondo que todas as espécies vivas tinham um ancestral comum e posteriormente desenvolveu a ideia de que o isolamento geográfico é um dos fatores que originam novas espécies. Como foi o primeiro a propor uma “geografia” das espécies animais, é chamado de “pai da biogeografia”.
Outra injustiça frequentemente cometida na história do pensamento evolutivo é a avaliação sobre o trabalho do francês Jean-Baptiste de Lamarck, que em 1809 publicou sua “Philosophie Zoologique”, na qual desenvolve uma teoria da evolução em uma época em que não havia conhecimento suficiente para sustentá-la. O trabalho de Lamarck foi criticado, e é até hoje, porque propunha que os caracteres adquiridos pela “lei do uso e desuso” seriam transmitidos aos descendentes, mas pouca gente sabe que o próprio Darwin, ao contrário de Wallace, concordou com isso. Darwin sabia que as espécies evoluíam e se diferenciavam, mas não sabia explicar a origem da variabilidade que era moldada pela seleção natural, bem como a forma de transmissão dessa variabilidade. Além da transmissão dos caracteres adquiridos, acreditou na herança por mistura.
A explicação sobre a transmissão das características hereditárias só foi elucidada em 1900, quando foi redescoberto o trabalho sobre hereditariedade feito pelo monge austríaco Gregor Johann Mendel. Apesar de publicado em 1866, o trabalho teve pouco impacto na comunidade científica da época e ficou desconhecido até mesmo dos evolucionistas. Quando o trabalho foi redescoberto, Darwin, assim como Mendel, já havia falecido. O trabalho de Mendel corroborou a teoria evolutiva de Darwin e Wallace e possibilitou o desenvolvimento posterior da chamada “síntese evolutiva moderna” nas décadas de 1930 e 1940.
Outro importante nome do pensamento evolutivo é Emil Hans Willi Hennig, um biólogo alemão que em 1950 publicou o livro “Fundamentos de uma Teoria da Sistemática Filogenética”, no qual propõe um método de classificação dos seres vivos que implementa o conceito de ancestralidade comum. No método Hennigiano, a descendência com modificação é a causa dos padrões hierárquicos de uma classificação que possibilita a reconstrução da história evolutiva.
As contribuições de Darwin, Hennig, Lamarck, Mendel, Wallace, homens à frente do seu tempo, e de outros que ajudaram a construir o pensamento evolutivo, mudaram a forma como a humanidade vê o mundo. Podemos fazer uma analogia entre o heliocentrismo de Copérnico e a Teoria Evolutiva de Darwin e Wallace. Enquanto aquele tirou a Terra do centro do Universo, estes tiraram o homem do centro da criação.
Certas deturpações da teoria evolutiva procuraram justificar ideologias elitistas, discriminatórias e racistas. O “Darwinismo Social”, que não tem nada a ver com a obra de Darwin, foi utilizado como justificativa para o imperialismo capitalista europeu do século XIX, para a eugenia nazista e para a escravidão de africanos na América e na Europa. Chamo de deturpações porque Darwin, que escreveu sobre a origem do homem, jamais defendeu a subjugação de uma etnia ou grupo social por outro e a teoria evolutiva leva justamente a conclusões contrárias a essa prática. Apesar de Darwin acreditar que os brancos britânicos seriam superiores aos negros, ele repudiou veementemente a escravidão. No livro “A Causa Sagrada de Darwin”, lançado no Brasil no ano passado, os maiores biógrafos de Darwin, Adrian Desmond e James Moore, defendem que “o ponto de partida de Darwin foi a sua crença abolicionista no parentesco sanguíneo, numa descendência comum” a todos os seres humanos. Segundo os autores, mesmo já sendo um abolicionista convicto, uma passagem acontecida no Brasil em 1836 teria dado motivação adicional para o desenvolvimento de sua teoria: “ele ouviu os gritos e os guinchos de um escravo torturado e não podia fazer nada para intervir. E assim sua viagem acaba e o horror daqueles sons ficou com ele a vida toda”.
A teoria evolutiva nos ensina que a evolução não é teleológica, determinística, linear. A vantagem adaptativa de uma determinada característica não é absoluta, ao contrário, depende do meio em que existe. O que é adaptativo em um determinado ambiente pode ser deletério em outro. Nesse contexto a diversidade é importante, pois quanto mais diversa uma população, maiores as chances de sobrevivência no caso de mudanças das condições ambientais. Essa constatação refuta a naturalidade do melhoramento genético propugnado pelas doutrinas eugenistas e nos traz a lição de que a riqueza da nossa espécie consiste nas diferenças entre os indivíduos. Suprimi-las, além de não ser ético, é prejudicial ao sucesso evolutivo.
A sobrevivência dos mais aptos também não é uma verdade absoluta. Muitas espécies evoluíram com padrões de comportamento altruísta, onde certos indivíduos despendem energia na proteção de outros. Darwin chegou a abordar isso em seus trabalhos, sugerindo o conceito de “seleção de parentesco”. O comportamento altruísta é, portanto, objeto da seleção natural principalmente em espécies sociais, como é o homem. A sobrevivência de um maior número de membros do grupo é vantajosa e assim a seleção atua no sentido de garantir a proteção do conjunto de indivíduos.
O conceito de ancestralidade comum mostra que todas as formas de vida são ligadas. A composição química dos organismos e os estudos paleontológicos, anatômicos e embriológicos já demonstravam isso, mas a síntese evolutiva moderna provou definitivamente. Não há sentido, portanto, em se pensar num homem à parte da natureza. Somos apenas um elo da corrente da vida, uma espécie de primata entre tantas existentes no mundo. Temos muito mais semelhanças com outros seres vivos do que diferenças. Isso nos faz refletir sobre a necessidade de manutenção do equilíbrio ambiental, pois sendo parte da natureza, seremos prejudicados ao degradá-la. Ao derrubar o antropocentrismo, a teoria da evolução nos remete a uma discussão ética sobre o nosso direito de explorar a natureza como se ela fosse feita exclusivamente para o homem.
A evolução biológica é uma lei natural, e seu real entendimento leva a um mundo com maior respeito à diversidade e às distintas formas de vida. Leva ainda a uma posição de humildade do homem diante da natureza e à preocupação com o meio ambiente e com a justiça social. Os que entenderam a “luta pela sobrevivência” como justificativa para as desigualdades, não compreenderam a mensagem dos evolucionistas.
O vídeo abaixo é um interessante resumo da biografia de Darwin (em inglês).
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