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domingo, 7 de agosto de 2011

Transportes e sustentabilidade

Por Joaquim Maia Neto

No Brasil há ampla predominância do modal rodoviário nos transportes. Mas não foi sempre assim. Durante o período colonial as vias que possibilitaram a interiorização da ocupação do território eram os rios. Em 1871 iniciava-se a navegação de navios a vapor no Rio São Francisco. Até 1930 cerca de 30000 km de vias férreas foram construídas, com forte influência da indústria ferroviária inglesa, voltadas às exportações de produtos primários. A partir da segunda guerra mundial houve um aumento expressivo da industrialização no Brasil, sobretudo na região sudeste e o governo decidiu investir na construção de rodovias para escoar a produção industrial para as demais regiões do país. Porém, a consolidação do transporte rodoviário ocorreu na segunda metade da década de 1950, com a expansão no Brasil da indústria automobilística transnacional, que foi a grande indutora dos investimentos governamentais em estradas. Entre 1940 e 1979 a malha rodoviária brasileira foi multiplicada por oito, passando de 185 mil para 1,5 milhão de Km, enquanto a malha ferroviária teve, no mesmo período, uma redução de 21%, indo de 38 mil para 30 mil Km de extensão. 

Matriz de Transportes em 2005. Fonte:
COPPE/Politécnica - UFRJ


Uma comparação com os EUA, dito por muitos como um país “rodoviarista”, mostra a irracionalidade da nossa matriz de transportes. De acordo com a Escola Politécnica da UFRJ, enquanto no Brasil o modal rodoviário representa 60% da matriz, nos EUA esse número é 16%.
Os prejuízos oriundos da predominância do transporte rodoviário são muitos. O transporte rodoviário é muito caro. Consome muito mais combustível por unidade transportada por quilômetro. Além disso, os custos com pneus, peças, manutenção e mão de obra representam um percentual muito maior no custo da tonelada transportada, devido à reduzida capacidade de carga dos veículos quando comparados aos demais modais. A manutenção das vias é outro fator oneroso no transporte rodoviário. Recapeamentos constantes, operações tapa-buracos, sinalização, entre outros, são necessidades que encarecem muito o quilômetro de rodovia comparativamente ao da ferrovia e da hidrovia.
No quesito segurança o predomínio rodoviário é uma catástrofe. As estradas brasileiras ceifam todos os anos milhares de vidas, que poderiam ser poupadas se tivéssemos menos veículos e pessoas transitando por elas. 
Emissões de CO2 por modal. Fonte:
Comissão Europeia e ANTAQ

Do ponto de vista ambiental é um absurdo priorizar o transporte pelas rodovias. Segundo a Direção-Geral de meio ambiente da Comissão Europeia, no modal rodoviário são emitidos na atmosfera 116 Kg de CO2 no transporte de 1000 toneladas por quilômetro útil (tku), contra 34 e 20 Kg nos transportes ferroviário e aquaviário, respectivamente. Considerando que os transportes são responsáveis por 13% das emissões globais de CO2, uma matriz mais limpa contribuiria significativamente para a redução nas emissões do Brasil.
Há ainda outros prejuízos ambientais causados pelas rodovias. Elas fragmentam hábitats e são barreiras para o trânsito de animais. Isolam as populações naturais e matam milhares de exemplares por atropelamento. É comum encontrar animais ameaçados de extinção mortos nas estradas brasileiras, como tamanduás, lobos-guarás e onças.
A expansão da malha rodoviária na Amazônia está contribuindo de maneira significativa para o aumento das taxas de desmatamento. Isso ocorre devido à facilidade que as rodovias permitem para o estabelecimento e suprimento de povoados sem planejamento nas áreas florestadas, causando o conhecido efeito “espinha-de-peixe”, que nada mais é do que o desflorestamento e povoamento ao longo de um eixo rodoviário de acesso. A ferrovia e a hidrovia são muito menos impactantes nesse aspecto, pois em geral operam com transporte coletivo de passageiros e de maior escala de carga, com destinos pré-definidos em pontos de carga e descarga com logística planejada. Por isso, é um contrassenso investir nas rodovias BR -163 e BR-319, como vem fazendo o Governo Federal. O traçado dessas estradas é praticamente paralelo às hidrovias Teles Pires/Tapajós e do Rio Madeira, respectivamente. Esta última já está em plena operação e a outra necessita de alguns investimentos para operar. O benefício ambiental seria enorme caso o governo revertesse à hidrovia os recursos hoje disponibilizados para a BR-163.
Mas se é tão ilógico priorizar as rodovias em detrimento das ferrovias e hidrovias, por que isso vem sendo feito na história recente do Brasil? Entendo que há três fatores que conjuntamente levaram a essa opção desastrosa. O primeiro é o pesado lobby da indústria automobilística que, como mencionado acima, foi a responsável pela consolidação do modelo rodoviarista. Ainda hoje essa indústria tem forte influência. Há poucos dias o governo voltou a reduzir o IPI incidente sobre automóveis, como faz a cada vez que precisa fortalecer a economia. É louvável viabilizar uma maior participação da indústria no cenário nacional em relação ao setor primário, mas não das montadoras de automóveis, pois o resultado desse incentivo fiscal é mais poluição, congestionamentos, acidentes e menor investimento em transporte coletivo público.
Um segundo fator pró-rodovias é outro lobby: o das grandes empreiteiras. Grandes financiadoras de campanhas eleitorais e agentes corruptoras de políticos desonestos (vide escândalo do Ministério dos Transportes), as empreiteiras convencem governos e parlamentares a desenvolver planos de expansão rodoviária.
O terceiro fator é cultural. O culto ao automóvel como símbolo de sucesso e objeto de desejo, a postura cada vez mais individualista dos cidadãos e a insanidade da vida moderna em se fazer tudo cada vez mais rápido, leva os contribuintes a exigir dos políticos investimentos crescentes nessa área. Recentemente precipitou no Distrito Federal um movimento de pessoas exigindo duplicação de uma determinada rodovia para resolver de forma paliativa o problema de congestionamentos no acesso a uma cidade satélite. Buracos nas estradas são pedras nos sapatos de governantes que buscam reeleição. Mas não vejo grandes movimentos organizados em prol do transporte coletivo. É o preconceito lamentável de que transporte coletivo é “coisa de pobre”.
Para fazer justiça é necessário dizer que o atual governo desenvolvimentista está investindo numa maior participação dos modais hidroviário e ferroviário. Porém esses investimentos estão focados exclusivamente aos objetivos de escoamento da produção de commodities, principalmente soja e minério de ferro. O potencial benefício ambiental desses investimentos pode ser anulado com o fomento que trarão a novos desmatamentos para produção de grãos. 
Consumo energético por modal.
Fonte: Simões & Schaeffer (2002)

No que tange ao transporte regional de passageiros, o cenário é ainda pior. Trabalha-se com a expansão em apenas duas opções: o transporte familiar ou individual, via automóvel particular, e o aeroviário. Voltemos à discussão das emissões. Não há muitos estudos sobre a quantidade de CO2 emitida por passageiro/Km. Simões & Schaeffer (2002)1 demonstraram que em termos de consumo de energia por passageiro/Km, o transporte aéreo é muito menos eficiente do que os outros modais, conforme gráfico acima. Consequentemente, emite mais CO2, pois a energia utilizada é proveniente de fontes fósseis.
Por que não transportar passageiros nos modais aquaviário e ferroviário? No primeiro, a exceção é a Amazônia, onde o transporte de passageiros na navegação interior é o que predomina, dada a abundância de grandes corpos hídricos e a escassez de vias terrestres, mas o serviço prestado ainda é sofrível. Poucos portos brasileiros dispõem de terminais de passageiros e, entre os poucos existentes, predominam os de estrutura precária.
Lembro-me de meu saudoso pai contando sobre as viagens que fazia de trem entre os quase quinhentos quilômetros que separam São José do Rio Preto, no noroeste paulista, da capital do estado. Apesar do desconforto, quando se compara com o transporte atual, havia certo glamour nas viagens. O trajeto era demorado, então havia cabines com camas e vagões-restaurantes, de modo que o deslocamento era transformado em uma oportunidade de convívio social. Hoje o transporte ferroviário regional de passageiros, que praticamente foi extinto no Brasil, pode ser rápido e confortável, como é na Europa e no Japão, mas não há uma agenda intensa para a expansão do setor, assim como não há no transporte aquaviário fora da Amazônia. A possibilidade de se viajar rapidamente de trem, além do benefício ambiental, poderia contribuir para desafogar o congestionado tráfego aéreo do Brasil.
Um pequeno alento nos chega com a Copa do Mundo e com as Olimpíadas. Alguns trens de alta velocidade entrarão em operação para conectar aeroportos e grandes cidades. Terminais portuários de passageiros também serão construídos, para receber principalmente cruzeiros, cujo mercado é um dos que mais cresce no Brasil e no mundo. Mas isso é muito pouco.
Mais hidrovias e ferrovias e mais gente viajando nessas vias. Esse seria um belo futuro para o transporte brasileiro. Muitas pessoas deixariam de morrer nas estradas. Teríamos um exemplo de conciliação entre desenvolvimento e conservação ambiental, que não oneraria mais o Estado. É apenas uma questão de opção e prioridades, mas ainda falta visão de futuro aos governos e à sociedade.
1. Simões, A. F. & R. Schaeffer (2002). Emissões de CO2 devido ao transporte aéreo no Brasil. Revista Brasileira de Energia. Vol. 9 (1): 1-9.

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