Por Joaquim Maia Neto
As discussões sobre a reforma do Código Florestal e a proteção das florestas definitivamente se consolidaram como um dos temas mais importantes na atualidade. Isso é bom. O Brasil, que é uma das nações mais bem dotadas do mundo no quesito biodiversidade não pode prescindir desse debate, que é estratégico para nosso futuro enquanto nação. Não obstante o tema ganhe projeção, com pautas diárias nos meios de comunicação de massa, e torne-se assunto comum nas mais diversas rodas, a condução dos debates não é a mais adequada. Está havendo uma polarização, entre o “agro” e o ambiental, que tenta transmitir uma imagem falaciosa à sociedade de que agricultura e conservação ambiental são áreas que se contrapõem.
O agronegócio lançou o movimento “Sou Agro”, patrocinado por gigantescas corporações do setor, com o intuito de convencer cidadãos urbanos a aderir à causa “agro”. É um movimento muito mais de marketing do que de informação ou de discussão sobre problemas e desafios da agricultura. Artistas “globais” são garotos-propaganda das campanhas publicitárias do movimento, cumprindo o mesmo papel que cumprem nas novelas veiculadas pela Rede Globo: formar opinião a partir de informações superficiais e distorcidas dos fatos concretos, levando a um determinado comportamento que seja do interesse de um grupo minoritário, geralmente contrário ao interesse público. O “Sou Agro”, guardadas as devidas proporções, me lembra as estratégias de marketing da indústria do tabaco, que durante anos mentiu para a sociedade, afirmando que não havia provas dos malefícios do cigarro.
A tônica do movimento tem chegado às discussões no Senado, que acabou de aprovar a reforma do Código na Comissão de Constituição e Justiça, cujo relator, o senador Luiz Henrique (PMDB-SC), é o mesmo que, quando governador de Santa Catarina, sancionou uma Lei estadual que reduzia consideravelmente a proteção florestal em relação à legislação federal, o que é ilegal. O mesmo senador será ainda o relator nas comissões de Ciência e Tecnologia e de Agricultura e Reforma Agrária.
Por outro lado, diversos estudos e manifestações de juristas, ambientalistas, comunidade acadêmica e pequenos produtores rurais têm sido produzidos e trazem luz ao debate. O mais recente estudo foi publicado na revista Nature, nesta semana e demonstra que as florestas primárias nunca mais chegam a sua condição original após a intervenção humana, mesmo que sejam conduzidas técnicas de recomposição. Segundo a publicação, as florestas tropicais da América do Sul têm um índice de alteração de 44%, muito superior às do México e América Central (10%), onde a exploração do turismo sustentável tem garantido um impacto menor.
Os interesses da agricultura (que não são necessariamente os dos “agros”) não são opostos aos da conservação, por um motivo muito simples: não há agricultura sem conservação. A agricultura depende de água, de estabilidade climática, de solos conservados, de polinizadores, de ecossistemas em equilíbrio. Avançar no desmatamento, como ocorrerá caso seja aprovado o “novo Código”, é um tiro no pé da agricultura brasileira. O que os mentores do movimento Agro estão defendendo, não é a agricultura, mas sim o dinheiro. Querem lucrar rapidamente a qualquer custo. Recente estudo do INPE em parceria com a Embrapa mostra que dois terços dos 18% do bioma amazônico que já foram desmatados são ocupados por pecuária de baixíssima produtividade. A lógica predominante é a de investir pouco e ter retorno na expansão das áreas. A produção agrícola ocupa apenas 5% das áreas desmatadas da Amazônia. Estes números mostram que o Brasil não precisa desmatar mais para aumentar a produção de alimentos, basta utilizar melhor as áreas já abertas.
A demanda por alimentos tem sido o grande argumento dos “agros” para se opor à legislação ambiental. Recentemente a senadora Kátia Abreu (PSD-TO) posou como a grande entusiasta do combate à fome no mundo, ao comentar um relatório da FAO que afirma que o planeta deve aumentar em 70% a produção de alimentos até 2050 para atender à população humana que deverá ser de 9 bilhões de pessoas. A senadora usou o relatório para mais uma vez atacar a legislação de proteção às florestas, mas omitiu o fato de que o mesmo relatório recomenda o cumprimento de acordos ambientais como forma de mitigar os impactos que afetam a produção de alimentos. Na realidade a CNA (Confederação Nacional da Agricultura), presidida pela senadora, não representa a grande maioria do contingente de produtores de alimentos do país. Dados do IBGE mostram que 20% dos fazendeiros possuem ¾ das terras agrícolas (o grande agronegócio representado pela CNA), mas 70% da produção de alimentos é feita por agricultores familiares. Nos discursos para a mídia, os “agros” pregam a produção sustentável de alimentos e a convivência harmoniosa com o meio ambiente, mas no dia-a-dia tentam acabar com leis que garantem nosso futuro e pouco se importam com a redução da fome no mundo.
Enquanto os pequenos produtores que nos alimentam diversificam a produção para atender à demanda interna, os “agros” plantam monoculturas mecanizadas altamente envenenadas que causam grandes impactos ambientais. Se dependêssemos deles, comeríamos apenas soja, cana e carne bovina.
Um belo exemplo da preocupação dos “agros” é o Projeto de Decreto Legislativo do Senado – PDS nº 90/2007, da senadora Kátia Abreu, que pretende desobrigar a rotulagem de alimentos elaborados com Organismos Geneticamente Modificados (transgênicos). A nobre senadora entende que o direito à informação do consumidor sobre os alimentos deve ser suprimido para que o lucro de quem produz transgênicos não seja ameaçado.
Outro exemplo recente de ataque à conservação ambiental foi o discurso do deputado Reinhold Stephanes (PMDB-PR) proferido em um seminário sobre hidrovias. Em meio às discussões sobre as vantagens, principalmente ambientais, do modal de transportes hidroviário, o ex-ministro da agricultura destilou um forte pessimismo, afirmando que as hidrovias jamais iriam integrar a região norte ao restante do país devido à “barreira ao desenvolvimento” representada pelo conjunto de unidades de conservação recentemente criadas no “arco do desmatamento” entre o norte de Rondônia e Mato Grosso e o sul do Amazonas e Pará. As unidades de conservação não impedem as hidrovias nem o desenvolvimento. Elas impedem sim o desmatamento e o lucro fácil e irresponsável dos “agros”. Mas estes preferem distorcer os fatos para angariar apoiadores incautos à sua causa.
O Senado ainda tem a chance de agir com responsabilidade entendendo a grandeza de seu papel diante de um tema de tamanha relevância ao país. Cabe à sociedade acompanhar seus representantes e cobrar uma discussão em bases técnicas e científicas deixando a guerra de marketing em segundo plano. Precisamos ouvir quem estuda o assunto com seriedade. A Giovanna Antonelli e o Lima Duarte que me perdoem, mas não sabem do que estão falando, porém falam mesmo assim porque o cachê compensa.