Por Joaquim Maia Neto
No último dia 30 o plenário da Câmara dos Deputados absolveu Jaqueline Roriz (PMN-DF), flagrada recebendo propina do esquema conhecido como “Mensalão do DEM”. A votação foi amplamente favorável à deputada: 265 votos pela manutenção do mandato, contra 166 pela cassação. Protegidos pelo absurdo do voto secreto, seus pares preferiram não abrir um precedente que pudesse ser estendido a outros parlamentares envolvidos em escândalos semelhantes. O episódio foi o estopim para a adesão de muitas pessoas aos protestos que ocorreram por todo o país no dia da independência. A motivação inicial para a organização das manifestações foi a série de denúncias sobre corrupção no governo, principalmente no Ministério dos Transportes onde, segundo a CGU, houve prejuízo ao erário de 682 milhões de reais.
O Brasil vive altos e baixos no que diz respeito à moralização da máquina pública. Num passado recente, manifestações populares levaram ao impeachment de um presidente da república. Posteriormente, outro presidente foi acusado de comprar votos dos parlamentares para que houvesse uma alteração constitucional a fim de permitir sua reeleição. Acompanhamos durante meses notícias sobre dois grandes esquemas de corrupção por meio de pagamento de propinas periódicas a deputados, um no Governo Federal e outro no Governo do Distrito Federal. Recentemente o Congresso Nacional aprovou a Lei da “Ficha Limpa”, originada de um projeto de lei de iniciativa popular.
Condutas delituosas praticadas por políticos, dificilmente resultam em punições. Vários fatores contribuem para isso: foro privilegiado, julgamento político pelos próprios pares, voto secreto, brechas jurídicas exploradas por bons advogados e, sobretudo, o desleixo do eleitor na hora de votar e no acompanhamento dos trabalhos dos parlamentares que o representam.
Maus políticos contam com a memória curta do eleitorado e por isso tendem a melhorar a qualidade do seu trabalho apenas nos períodos imediatamente anteriores às eleições. Um número muito grande de pessoas não se lembra em quem votou na última eleição e sequer acompanha as ações dos políticos. Você sabe dizer os nomes dos candidatos a deputado em que votou no ano passado?
Estamos vivendo uma grave crise institucional que afeta a maneira como a sociedade enxerga a classe política. Essa crise pode trazer consequências muito prejudiciais para a democracia na medida em que a população começa a desprezar os parlamentos nas três esferas federativas. Aquilo para o qual deixa de haver um reconhecimento de sua importância passa a ser visto como supérfluo ou até mesmo como nocivo. Já não é incomum ouvirmos discursos de que o Congresso poderia ser fechado, pois não faria falta e economizaria dinheiro. Essa visão é equivocada, porque o poder legislativo deveria ser representativo da vontade do povo. A falta dele caracterizaria um regime autoritário, com implicações negativas para o país, como já aconteceu há nem tanto tempo assim, durante a ditadura militar.
Ultimamente fala-se muito que o Congresso tem voltado as costas à vontade popular, mergulhando em uma crise de representatividade. Parlamentares estariam mais preocupados com seus esquemas para ganhar dinheiro fácil e em grande quantidade do que com os anseios dos eleitores. A absolvição de políticos envolvidos em escândalos seria um exemplo. Na área ambiental temos outro exemplo incisivo: recente pesquisa Datafolha demonstrou que 85% da população brasileira entende que o novo Código Florestal deve priorizar a proteção das florestas, ainda que isso limite a produção agropecuária, mas, no entanto, a Câmara dos Deputados aprovou um texto altamente prejudicial à conservação e exageradamente permissivo ao setor agrícola.
Mas será que o parlamento realmente não representa a população? As pessoas dispostas a protestar contra os desmandos comuns na administração pública são poucas. Mesmo em manifestações bem organizadas, como foram as de sete de setembro, o percentual de cidadãos que participa é pequeno em relação ao total de eleitores. Muitos respondem pesquisas dizendo–se insatisfeitos com determinado posicionamento deste ou daquele parlamentar, mas acabam votando nos mesmos políticos em eleições posteriores.
Manifestação de 7/9/2011 Foto: Roberto Jayime/UOL |
Temos maus políticos porque os elegemos. É o nosso voto que os coloca no poder. É natural que sejamos enganados por um falso discurso de um candidato de primeira eleição, pois não há experiência a ser observada. Mas é inadmissível reelegermos aqueles que traíram seus eleitores.
A cultura eleitoral predominante no Brasil é aquela de se votar mais pela aparência do que pelas propostas e pelo passado do candidato. Políticos que já têm mandato e os que gastam muito nas campanhas costumam ter mais votos que os demais. O brasileiro prefere votar em alguém que vai lhe fazer um favor pessoal ou em quem ele tenha acesso, do que em outro que tenha uma posição mais ideológica e propositiva e esteja mais distante.
Sou da opinião de que nossos parlamentos, federal, estaduais e municipais, são realmente a representação de nossa sociedade. Muitas pessoas agem no dia-a-dia levando pequenas vantagens indevidas sobre os demais: o troco a mais, recebido por erro do operador de caixa do supermercado, que não é devolvido; o pedido para quebrar uma regra, a fim de beneficiar parentes ou a si próprio, em detrimento de outras pessoas; a furada de fila; a apropriação de um material de escritório ou as cópias particulares feitas no trabalho. Essas atitudes, praticadas por muitas pessoas, costumam ser vistas como esperteza, uma oportunidade a ser aproveitada. Na realidade são atitudes desprovidas de senso ético. Não se deve esperar que pessoas que faltam com a ética nas coisas de pequeno valor ou interesse venham a agir eticamente em oportunidades de maior responsabilidade. Como será que aquele servidor público que aceita um pequeno presente para fazer sua obrigação agiria se fosse um deputado e recebesse uma proposta indecorosa de uma empreiteira interessada em determinada obra pública?
A falta de compromisso ético de uma importante parcela da sociedade explica a enorme transigência para com políticos desonestos. Se o eleitor desprovido de princípios morais vislumbra alguma possibilidade de ser beneficiado por certo político, ainda que em prejuízo de terceiros ou da coletividade, não hesita em contemplá-lo com seu voto. Às vezes nem é a iminente vantagem que motiva o voto no político desonesto, mas a simples identificação dele como uma pessoa sagaz, no mau sentido da palavra, alguém que sabe aproveitar uma oportunidade de se beneficiar da máquina pública. O deputado Tiririca talvez seja o melhor exemplo para ilustrar essa situação.
Infelizmente uma pequena parcela dos nossos parlamentares age imbuída de valores nobres. Poucos colocam o interesse público em primeiro lugar ou são coerentes com os programas partidários e com suas promessas de campanha. Por que a banda podre é maioria, se vivemos em um país com eleições periódicas nas quais o voto de todos tem peso igual? Só podemos ter duas respostas a essa questão: ou a maioria da população se identifica com os maus políticos, ou nosso sistema eleitoral é repleto de distorções que permitem vantagens aos candidatos que faltam com a ética. As distorções existem sim, e são muitas. Por isso vamos lutar por uma reforma política que mude esse quadro, na esperança que a primeira resposta não seja a verdadeira.
Que as manifestações ocorridas no sete de setembro sejam a retomada da consciência cívica dos brasileiros, como aconteceu na década de 80, durante as “Diretas Já”. Que sejam uma esperança de banirmos políticos como Jaqueline Roriz e outros tantos, junto com seus mensalões, superfaturamentos, propinas e escândalos, infelizmente tão comuns no cenário político brasileiro.
Fantástico todo o texto!
ResponderExcluirO homem, por ser dotado de raciocínio, acredita ou não naquilo que não vê ou que não conhece forçado por circunstâncias como a dúvida, o medo e o fanatismo político ou religioso.
Dr. Joaquim Maia Neto. Escrevo meu primeiro livro Mandantes e Mandatários . Se V. Exª permitir, gostaria de inserir seu texto na forma da Lei.