Por Joaquim Maia Neto
Todos nós sabemos que dois terços da superfície da Terra são cobertos por água. Apesar disso, caso não façamos boa gestão dos recursos hídricos, correremos o risco de nos depararmos com um futuro de escassez desse bem, o mais essencial à vida.
Aproximadamente 97,5% da água existente no planeta é salgada, encontrada em mares e oceanos. Dos 2,5% da água doce existente, apenas 0,007% é facilmente acessada para consumo humano, por estar em rios, lagos e na atmosfera, e 2,493% está em geleiras e aquíferos (água subterrânea), de aceso mais difícil.

O acesso à água tem sido dificultado devido ao desperdício, ao mau-uso, à poluição e às mudanças climáticas. Muitos corpos hídricos estão contaminados com produtos químicos utilizados na mineração, agrotóxicos e dejetos urbanos e industriais. A supressão de matas ciliares provoca o assoreamento dos rios. O desflorestamento, aliado às queimadas e demais atividades responsáveis pela emissão de gases do efeito estufa, tem provocado alterações no ciclo hidrológico, levando à concentração excessiva de chuvas em determinados períodos do ano e à escassez em outros.

Uso da água na agricultura
A atividade que mais consome água é a agricultura, responsável pelo uso de 70% dos recursos hídricos utilizados pela humanidade, contra 20% da indústria e 10% do uso doméstico. O uso da água na agricultura é paradoxal no que diz respeito ao seu impacto ambiental. Apesar do setor agrícola ser taxado como vilão, a agricultura irrigada possibilitou enorme aumento de produtividade por área, viabilizando a alimentação da população em tempos de explosão demográfica, o que evitou um grande aumento da área plantada. Diante de um crescimento populacional global da ordem de 100% nos últimos 50 anos, tivemos um aumento de apenas 12% de áreas ocupadas pela agricultura. Se a área plantada crescesse como cresceu a população, as consequências ambientais teriam sido desastrosas.
No último dia 26 foi encerrada, em Estocolmo, a 21ª Semana Mundial da Água. O relatório final do encontro, que será remetido à Rio+20, sugere que os governos adotem uma meta de 20% de aumento de eficiência no uso de água na agricultura. A adoção de metas de eficiência é uma importante estratégia de gestão dos recursos hídricos. Qualquer ganho na agricultura trará um grande impacto na conservação da água, devido ao tamanho da fatia que o setor representa no consumo total. Novas tecnologias, como irrigação por gotejamento ou desenvolvimento de linhagens mais produtivas em períodos de estiagem são exemplos de onde se pode obter o aumento de eficiência. Igualmente interessante é o desenvolvimento de sistemas agrícolas que contribuam com o ciclo hidrológico, como os sistemas agroflorestais.
Estratégias para a gestão dos recursos hídricos

Uma boa política de recursos hídricos deve atuar em várias frentes. Mecanismos econômicos são eficazes. Na maioria das cidades brasileiras a água tratada é subsidiada pelo poder público. As tarifas são muito baixas e estimulam o desperdício. É recomendável tarifar progressivamente de acordo com o consumo, mantendo tarifas sociais para a população de baixa renda até um determinado limite de metros cúbicos. Há um debate interessante sobre a concessão da exploração dos serviços de captação, tratamento e distribuição. Existe um grande tabu em se promover negócios com recursos hídricos, dado o direito universal conferido ao acesso à água. Mecanismos que promovam negócios e que mantenham o caráter público podem resultar em melhor racionalidade no uso do recurso, a exemplo do que acontece com a energia, mas para isso precisamos desenvolver um forte aparato regulatório estatal. Já temos uma agência reguladora no setor.
A cobrança pelo uso da água bruta, seja para captação ou para a diluição de efluentes, foi iniciada pelo Comitê de Bacia do Rio Paraíba do Sul e já se expandiu para outras bacias hidrográficas brasileiras. É um importante instrumento de gestão fundamentado no princípio do poluidor-pagador, semelhante às Impact Fees desenvolvidas nos EUA, uma espécie de pagamento pelo impacto causado aos serviços públicos. O pagamento por serviços ambientais, voltado a produtores rurais que conservam mananciais, seria um interessante complemento: paga quem usa, recebe quem produz. Mecanismos de comando e controle associados aos econômicos também são importantes, como a fiscalização sobre o uso perdulário.
A conservação dos ecossistemas é outra estratégia fundamental no enfretamento do problema. A manutenção de áreas protegidas e de zonas úmidas contribui para a regularidade do ciclo hidrológico e é mais efetiva do que intervenções como construção de barragens ou transposição de bacias. Há alguns casos onde a água distribuída no abastecimento urbano provém de unidades de conservação, como em Brasília, por exemplo.
Conservar a água é essencial para a vida. Atitudes individuais no dia-a-dia são importantes, mas inócuas se não houver políticas públicas eficazes.
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