Por Joaquim Maia Neto
Todos nós sabemos que dois terços da superfície da Terra são cobertos por água. Apesar disso, caso não façamos boa gestão dos recursos hídricos, correremos o risco de nos depararmos com um futuro de escassez desse bem, o mais essencial à vida.
Aproximadamente 97,5% da água existente no planeta é salgada, encontrada em mares e oceanos. Dos 2,5% da água doce existente, apenas 0,007% é facilmente acessada para consumo humano, por estar em rios, lagos e na atmosfera, e 2,493% está em geleiras e aquíferos (água subterrânea), de aceso mais difícil.
A distribuição de água doce no mundo é muito desigual. Onze países da áfrica e nove do oriente médio já não dispõem de reservas para atender o mínimo necessário à sua população. Nesse aspecto, o Brasil é privilegiado. Detém 11,6% de toda a água doce superficial do mundo, mas nossa água não é distribuída homogeneamente por todo o país. 70% das águas brasileiras disponíveis para consumo estão na região amazônica, a menos populosa, enquanto que os 30% restantes estão localizados onde habitam 93% dos brasileiros. A região Norte, com 6,98% da população, possui 68,5% dos recursos hídricos e o Sudeste, com 42,65% dos habitantes do Brasil, tem apenas 6%. Essa distribuição desigual já começa a causar conflitos pelo uso da água devido aos problemas de abastecimento existentes nos grandes centros urbanos.
O acesso à água tem sido dificultado devido ao desperdício, ao mau-uso, à poluição e às mudanças climáticas. Muitos corpos hídricos estão contaminados com produtos químicos utilizados na mineração, agrotóxicos e dejetos urbanos e industriais. A supressão de matas ciliares provoca o assoreamento dos rios. O desflorestamento, aliado às queimadas e demais atividades responsáveis pela emissão de gases do efeito estufa, tem provocado alterações no ciclo hidrológico, levando à concentração excessiva de chuvas em determinados períodos do ano e à escassez em outros.
Muitos analistas preveem que a disputa pela água provocará conflitos entre nações em um futuro próximo e que haverá um grande contingente de refugiados ambientais, o que já começa a acontecer no chamado “Chifre da África”. Na Somália a situação é catastrófica. Milhões de pessoas são atingidas por fome crônica e muitas delas estão deixando o país em busca de locais onde possam se alimentar. A grave seca que assola o país tem sido atribuída por especialistas ao aquecimento do Oceano Índico, consequência do aquecimento geral do planeta.
Uso da água na agricultura
A atividade que mais consome água é a agricultura, responsável pelo uso de 70% dos recursos hídricos utilizados pela humanidade, contra 20% da indústria e 10% do uso doméstico. O uso da água na agricultura é paradoxal no que diz respeito ao seu impacto ambiental. Apesar do setor agrícola ser taxado como vilão, a agricultura irrigada possibilitou enorme aumento de produtividade por área, viabilizando a alimentação da população em tempos de explosão demográfica, o que evitou um grande aumento da área plantada. Diante de um crescimento populacional global da ordem de 100% nos últimos 50 anos, tivemos um aumento de apenas 12% de áreas ocupadas pela agricultura. Se a área plantada crescesse como cresceu a população, as consequências ambientais teriam sido desastrosas.
Não se pode imputar a responsabilidade pela escassez de água à produção de alimentos, pois é uma atividade absolutamente essencial. As crescentes taxas globais de crescimento populacional são um grande problema. Mas na área agrícola há dois vilões reais: os biocombustíveis e a pecuária. Apesar de contribuir para a redução de emissões de gases do efeito estufa, a produção de combustíveis automotivos de origem vegetal tem desempenho ambiental questionável. De acordo com Alexandre Müller, diretor do programa de recursos naturais da FAO, cem quilos de cereais podem alimentar uma pessoa durante um ano, mas produzem apenas um tanque de combustível. O crescente aumento do consumo de proteína de origem animal por parte dos países emergentes é outro problema grave. A produção de um quilo de carne bovina consome 16 mil litros de água. A pecuária é uma das atividades mais intensivas no uso de recursos hídricos.
No último dia 26 foi encerrada, em Estocolmo, a 21ª Semana Mundial da Água. O relatório final do encontro, que será remetido à Rio+20, sugere que os governos adotem uma meta de 20% de aumento de eficiência no uso de água na agricultura. A adoção de metas de eficiência é uma importante estratégia de gestão dos recursos hídricos. Qualquer ganho na agricultura trará um grande impacto na conservação da água, devido ao tamanho da fatia que o setor representa no consumo total. Novas tecnologias, como irrigação por gotejamento ou desenvolvimento de linhagens mais produtivas em períodos de estiagem são exemplos de onde se pode obter o aumento de eficiência. Igualmente interessante é o desenvolvimento de sistemas agrícolas que contribuam com o ciclo hidrológico, como os sistemas agroflorestais.
Estratégias para a gestão dos recursos hídricos
Estratégias para a redução do consumo doméstico são bem vindas, pois o desperdício é altíssimo. Estima-se que apenas na distribuição nas cidades, as perdas superam 35%, o que poderia ser resolvido com maiores investimentos em manutenção. Hábitos domésticos como a utilização de mangueiras na lavagem de calçadas, pisos e automóveis, bem como deixar torneiras abertas durante atividades rotineiras de higiene, contribuem para a escassez. A indústria também deve dar sua parcela de contribuição para a solução do problema.
Uma boa política de recursos hídricos deve atuar em várias frentes. Mecanismos econômicos são eficazes. Na maioria das cidades brasileiras a água tratada é subsidiada pelo poder público. As tarifas são muito baixas e estimulam o desperdício. É recomendável tarifar progressivamente de acordo com o consumo, mantendo tarifas sociais para a população de baixa renda até um determinado limite de metros cúbicos. Há um debate interessante sobre a concessão da exploração dos serviços de captação, tratamento e distribuição. Existe um grande tabu em se promover negócios com recursos hídricos, dado o direito universal conferido ao acesso à água. Mecanismos que promovam negócios e que mantenham o caráter público podem resultar em melhor racionalidade no uso do recurso, a exemplo do que acontece com a energia, mas para isso precisamos desenvolver um forte aparato regulatório estatal. Já temos uma agência reguladora no setor.
A cobrança pelo uso da água bruta, seja para captação ou para a diluição de efluentes, foi iniciada pelo Comitê de Bacia do Rio Paraíba do Sul e já se expandiu para outras bacias hidrográficas brasileiras. É um importante instrumento de gestão fundamentado no princípio do poluidor-pagador, semelhante às Impact Fees desenvolvidas nos EUA, uma espécie de pagamento pelo impacto causado aos serviços públicos. O pagamento por serviços ambientais, voltado a produtores rurais que conservam mananciais, seria um interessante complemento: paga quem usa, recebe quem produz. Mecanismos de comando e controle associados aos econômicos também são importantes, como a fiscalização sobre o uso perdulário.
A conservação dos ecossistemas é outra estratégia fundamental no enfretamento do problema. A manutenção de áreas protegidas e de zonas úmidas contribui para a regularidade do ciclo hidrológico e é mais efetiva do que intervenções como construção de barragens ou transposição de bacias. Há alguns casos onde a água distribuída no abastecimento urbano provém de unidades de conservação, como em Brasília, por exemplo.
Conservar a água é essencial para a vida. Atitudes individuais no dia-a-dia são importantes, mas inócuas se não houver políticas públicas eficazes.
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