Por Joaquim Maia Neto
As religiões sempre acompanharam a humanidade. Historiadores acreditam que a existência da religião antecede até mesmo os mais antigos registros históricos de que se tem conhecimento. O Hinduísmo, uma das religiões mais antigas, pode ter suas origens por volta de 6000 a.C..
Praticamente todos os povos que existiram no planeta professaram algum tipo de crença no sobrenatural, em espíritos ou divindades, e essa crença sempre influenciou profundamente os sistemas de organização social. Desde as sociedades tribais simples até as de organização complexa, a religião ou a fé sempre desempenharam um forte papel na elaboração de códigos de conduta e de padrões éticos e morais. É comum em várias culturas a figura de um líder religioso com forte influência sobre a comunidade. Esse líder geralmente cumpre o papel de intermediar a comunicação e interação entre o homem e o divino.
Alguns pensadores acreditaram que o avanço científico e tecnológico da humanidade levaria ao esvaziamento das religiões e à extinção da fé. Em 1999 a revista The Economist chegou a publicar uma “nota necrológica de Deus”, prevendo o iminente fim das religiões, mas em 2007 se retratou, admitindo que, ao contrário do que previra, a influência das religiões tem crescido a cada dia.
Se por um lado a religião perdeu influência na Europa, onde se detecta atualmente um aumento do número de pessoas que se declaram atéias, por outro, continua tendo forte poder em países desenvolvidos, como os EUA, e em países emergentes, como Brasil e Índia.
As doutrinas religiosas trouxeram coisas boas e ruins para a história da humanidade. Foram utilizadas como instrumentos de poder, dominação e imperialismo em várias partes do mundo. Perseguições e guerras foram empreendidas em nome de deuses e vários estados foram, e alguns são até hoje, aliados ou até mesmo controlados por instituições de cunho religioso. Religiões foram responsáveis por muitas atrocidades, como genocídio, imposição cultural, escravidão, conflitos bélicos, assassinatos, etc.. Ainda convivemos com intolerância religiosa em muitas sociedades humanas modernas. Noutro giro, em todo o mundo as religiões cumprem importante papel de coesão social e de estabelecimento de padrões de comportamento necessários à vida em sociedade.
Independentemente da denominação, praticamente todas as crenças religiosas exigem de seus seguidores determinada conduta compatível com os valores que professam. Procuram explicar as origens do homem e do mundo. Não há registro de religião que doutrinariamente atente contra a vida de quem não seja seu seguidor. Em geral, pregam a paz, a solidariedade e a honestidade.
As religiões do Extremo Oriente, de uma maneira geral, são identificadas como pacificadoras e contemplativas e muitas vezes são procuradas por pessoas de cultura ocidental como forma de reconexão com a natureza, com o equilíbrio orgânico e cósmico. De fato, tiveram um papel fundamental na forma de vida dos povos do leste da Ásia, refletindo na alimentação, longevidade e saúde, entre outros aspectos.
As três grandes religiões monoteístas originadas no Oriente Médio – Cristianismo, Islamismo e Judaísmo – apesar de terem, como todas as demais religiões, uma doutrina de paz e solidariedade, são consideradas responsáveis por conflitos que levaram e levam à morte milhares de pessoas. Qual a razão dessa contradição? Assim como em todas as organizações humanas, as religiões são permeadas por estruturas de poder que despertam a ganância e o desvio de comportamento de parte de seus seguidores. Os conflitos, mesmo quando patrocinados pela alta cúpula das organizações religiosas, na realidade são desvios doutrinários totalmente incoerentes que muitas vezes acabam sendo objeto de retratação, ainda que esta ocorra séculos depois. Lamentavelmente não faltam exemplos desses conflitos: Cruzadas católicas, terrorismo praticado por grupos islâmicos, imperialismo judeu sobre povos árabes, etc..
Acusar as religiões de responsáveis pela intolerância e pela guerra é procurar um bode expiatório para um problema que é da humanidade e não da fé. Recentemente uma campanha ateísta veiculada em outdoors no Rio Grande do Sul mostrou-se tão intolerante quanto as mais reacionárias manifestações religiosas. Sob o pretexto de combater uma suposta discriminação que sofreriam por serem ateus, os organizadores da campanha disseminaram mensagens extremamente provocativas e desrespeitosas contra os crentes, comparando célebres humanistas supostamente ateus com sanguinários religiosos. Não é difícil exibir uma razoável lista de virtuosos religiosos e de ateus igualmente sanguinários. Este tipo de provocação, ao contrário de contribuir para a tolerância entre as crenças e entre essas e os ateus, apenas acirra ainda mais os ânimos dos que repudiam o saudável diálogo baseado na pluralidade de pensamentos.
No Cristianismo ocorreu uma extensa fragmentação em distintas igrejas e seitas, com diferentes doutrinas, que acabaram levando a conflitos que deturpam o sentido da doutrina Cristã. Os conflitos entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte, que persistem até hoje, são exemplos de como as divergências na fé são manipuladas para se transformarem em disputa de poder.
A religião pode e deve ser usada como instrumento de vivência comunitária saudável, incentivando a proteção à vida, a solidariedade, a reflexão sobre ética e o respeito à diversidade, inclusive a religiosa. O respeito aos que não professam qualquer fé deve ser garantido pelos religiosos. A dimensão do respeito à natureza, tão comum em muitas religiões orientais, começa a ganhar corpo entre as instituições ocidentais, pois passa a ser entendida como uma frente de proteção à vida.
Infelizmente algumas igrejas cristãs têm sido fundadas como propósitos meramente financeiros para beneficiar sua cúpula. Aproveitam-se da legislação que isenta as igrejas de obrigações tributárias. Surgem doutrinas que cultuam a prosperidade econômica, o consumismo e o dinheiro. Essas igrejas, na realidade, pegam carona na “religião” que mais cresce no mundo: o culto ao individualismo e aos bens materiais. Os novos templos, ícones dessa religião, são os shopping centers. Seus sacerdotes são os publicitários que nos bombardeiam com campanhas para nos convencer a adquirir as infinitas coisas das quais não precisamos para sermos felizes. Os símbolos dessa religião são as grifes que ostentamos para professar nossa “fé”.
Não há um caminho único que leve à salvação, seja ela entendida no seu aspecto divino ou na dimensão social, representada por um mundo justo. Penso que bons exemplos devem ser buscados na pluralidade de crenças que nossa Constituição exemplarmente protege. A dimensão política, muito presente nas religiões monoteístas, pode ajudar a transformar positivamente a sociedade e é importante que esteja aliada à observação e compreensão das leis naturais, como pregam as religiões orientais, a fim de que possamos nos integrar à natureza e ao universo, como parte deles que somos.
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