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domingo, 30 de outubro de 2011

Se o IBAMA não deixa matar as florestas, matemos o IBAMA!

Por Joaquim Maia Neto
A luta em prol de um ambiente equilibrado acaba de sofrer um duríssimo golpe no Brasil. Enquanto as atenções da nação se voltavam para a iminente queda do então ministro dos esportes, Orlando Silva, que viria a ser substituído por Aldo Rebelo, o deputado que contribuiu significativamente na tentativa de permitir a destruição de nossas florestas, o Senado Federal aprovou sorrateiramente na última quarta-feira (26/10) o Projeto de Lei Complementar da Câmara nº 1/2010, que desmonta o aparato federal de fiscalização e controle ambiental.
Os problemas do texto aprovado
Foto: Divulgação IBAMA

Enquanto a legislação em vigor considera, para fins de competência para o licenciamento ambiental, o potencial de impacto do empreendimento, bem como a sua localização e o domínio da área, o texto aprovado no Senado desconsidera completamente o grau de impacto. Mesmo que os danos ambientais extrapolem os limites do estado, caso a localização seja restrita à uma unidade da federação, aquele ente federado poderá realizar o licenciamento sem a participação da IBAMA. Se o novo texto estivesse em vigor neste ano, o licenciamento da Usina de Belo Monte, por exemplo, poderia ser feito pelo governo do Pará.
O esvaziamento das atribuições do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA - é outro ponto bastante prejudicial do projeto de Lei Complementar. Este colegiado, que tem ampla representação da sociedade civil, perderia o poder de editar normas ambientais e teria grande parte de suas competências atuais transferidas para as Comissões Tripartites, que são fóruns existentes no âmbito da União, estados e municípios com representação exclusivamente governamental e paritária entre os entes federativos. Isso significa que a regulamentação deixaria de contar com a participação da sociedade e que os governos estaduais e municipais teriam muito mais peso nas decisões normativas.
As autorizações para criação de animais silvestres e para pesquisa científica com os mesmos serão, de acordo com a nova Lei, de competência dos estados. Quase nenhum deles tem estrutura ou pessoal capacitado para cumprir essa atribuição. O resultado será um enfraquecimento na gestão da fauna, abrindo um grande flanco para o tráfico, que já é intenso, e para a biopirataria.
O ponto mais polêmico diz respeito à restrição no poder de polícia do IBAMA, que é a entidade executora da União na área ambiental. Atualmente a competência na fiscalização é concorrente entre União, estados e municípios. Qualquer órgão ou entidade ambiental de qualquer unidade federativa pode autuar em caso de constatação de infrações administrativas de natureza ambiental. Caso o projeto seja sancionado, as instituições terão sua competência restrita à fiscalização daqueles empreendimentos ou atividades para os quais têm competência de licenciamento. O IBAMA perderá o poder de fiscalizar a grande maioria das atividades de significativo impacto ambiental, pois a maioria delas será da alçada dos estados.
Não há como acreditar que o governo não tem interesse nesse desmonte do IBAMA, principalmente quando consideramos as diversas medidas administrativas que vêm sendo tomadas na gestão da autarquia, como a delegação de competências aos estados e o fechamento de vários escritórios regionais, inclusive na Amazônia Legal.
A tramitação
Deputado Paulo Teixeira (PT-SP),
autor do texto aprovado.
Fonte: Jornal das Montanhas
http://www.jm1.com.br/

O projeto original foi apresentado na Câmara em 2003, pelo deputado Sarney Filho (PV-MA) e tinha como objetivo a regulamentação do artigo 23 da Constituição Federal no que diz respeito às competências dos entes da federação quanto às ações na área ambiental. Era um projeto muito bom que resolveria os conflitos de competência no âmbito do licenciamento ambiental e fortaleceria o poder da União e do CONAMA, sem negligenciar a necessidade de integração dos estados e municípios como membros do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA. Ocorre que a matéria foi completamente desfigurada por uma emenda global apresentada pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que foi aprovada em dezembro de 2009, numa manobra política que se aproveitou da ausência de vários deputados da frente ambientalista que participavam da 15ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), em Copenhagen, inclusive o próprio Sarney Filho. A emenda foi subscrita também por José Genoíno, à época deputado pelo PT-SP e pelo ministro da agricultura, Mendes Ribeiro Filho, que na ocasião cumpria mandato de deputado pelo PMDB-RS, e foi relatada por Geraldo Pudim, que exercia o mandato pelo PR-RJ. Claramente uma articulação governista.
Em janeiro de 2010 o projeto foi encaminhado ao Senado, onde houve intensa articulação do Governo para que a tramitação acontecesse com celeridade. O então ministro das relações institucionais, Alexandre Padilha, se empenhou pessoalmente para que fosse dada prioridade à proposição. Dilma Rousseff, então ministra da casa civil, tinha interesse em romper obstáculos junto ao IBAMA para acelerar as obras do PAC. Em maio deste ano o Senado aprovou a tramitação em regime de urgência, o que viabilizou a votação na semana passada. O texto aprovado no Senado é praticamente o mesmo votado na Câmara e seguirá agora para sanção presidencial.
O placar da votação no Senado foi amplamente favorável à aprovação do projeto, com 49 votos a favor, sete contrários e uma abstenção. Votaram contra o retrocesso ambiental apenas os senadores Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), Lindberg Farias (PT-RJ), Jorge Viana (PT-AC), Anibal Diniz (PT-AC), Roberto Requião (PMDB-PR), Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) e Paulo Davim (PV-RN).
Senadora Kátia Abreu (PSD-TO),
relatora na CCJ do Senado.
Fonte:
 http://www.centrodeestudosambientais.wordpress.com/

A relatoria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) coube à maior expoente da turma da motosserra, a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), que rejeitou três emendas apresentadas pela ex-senadora Marina Silva, que visavam resguardar as competências da União e impedir que a Lei viabilizasse aumento nos índices de desmatamento. Por tramitar em regime de urgência não houve relatório das comissões de meio ambiente e agricultura. O parecer foi feito em plenário pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR).
As consequências da aprovação e sanção do projeto
Salvo raríssimas exceções, os órgãos e entidades ambientais estaduais e municipais são muito mais suscetíveis à ingerência política do que os federais. Em geral têm estrutura precária, poucos servidores, baixa remuneração de seus quadros e muitos comissionados em funções de natureza técnica. Por esse motivo, é comum haver, por parte do Ministério Público, a judicialização de vários processos de licenciamento estaduais, visando deslocar a competência para a União, para que haja maior isenção. Não é à toa que a bancada ruralista prefere tirar poder do IBAMA, concentrando-o nos estados. Fiscais estaduais e municipais têm maior dificuldade em se desvencilhar de pressões por parte do poder econômico, pois estas têm repercussões políticas que podem culminar em represálias funcionais, o que é raro acontecer na esfera federal.
Em geral, governadores e prefeitos se comprometem durante as campanhas eleitorais com empresários que têm interesse em empreendimentos que dependem de licenças ambientais e estão sujeitos à fiscalização. A proximidade dessas autoridades com o corpo técnico é um elemento facilitador de interferências que levam ao distanciamento do interesse público.
O cenário futuro, com a entrada em vigor da nova Lei, remete a um quadro de afrouxamento das exigências de natureza mitigadora nos empreendimentos, flexibilização nos critérios de aprovação de obras impactantes e emissão de licenças e autorizações sem considerar alternativas técnicas e locacionais que resguardem a segurança ambiental em atendimento ao princípio da precaução.
Um grande prejuízo para o Brasil será, sem qualquer dúvida, o avanço no desmatamento da Amazônia, com o consequente aumento de nossas emissões atmosféricas de carbono. A competência para autorização de supressão de vegetação será, como é hoje, dos estados, exceto nos casos de florestas públicas de domínio da União. Como o IBAMA não tem a competência para autorizar as supressões, não poderá fiscalizar os desmatamentos. Alguém imagina que o estado do Amazonas, cujo governo em 2009 patrocinou cárcere privado contra servidores do Instituto Chico Mendes para impedi-los de fiscalizar madeireiros, venha a combater desmatamentos? Ou que o Pará, do senador Flexa Ribeiro, correligionário do governador, que diz que “o IBAMA quer parar o Brasil”, desenvolva operações para conter a devastação de suas matas? Ou ainda que o Mato Grosso, cujo governo tem grande interesse na expansão das áreas ocupadas por soja, puna agricultores que ocupam as margens dos rios provocando seu assoreamento?
Às vésperas da natimorta Rio + 20, o Brasil sinaliza para a comunidade internacional que não tem qualquer compromisso com a proteção de suas florestas e vira as costas para seu futuro de país megadiverso e para as gerações vindouras que sofrerão as consequências.
De maneira hipócrita, o deputado Paulo Teixeira, um dos autores do texto ambientecida, afirma agora que cobrará do governo o veto ao artigo que reduz poderes do IBAMA. Tomara que, ainda que tardiamente, se redima e convença a presidente a vetar mais essa apunhalada que nossos parlamentares covardemente dão na sociedade que os mantém. Se não for por convicção, que ela ao menos o faça para não passar vergonha na Rio + 20, uma vez que, como anfitriã, deverá convencer o mundo de que temos responsabilidade.

domingo, 23 de outubro de 2011

Lixo hospitalar, tamanho do Estado e colonialismo disfarçado

Por Joaquim Maia Neto

Fonte: http://www.ecobatata.blogspot.com/

Há cerca de dez dias foram descobertas no Porto de Suape, em Ipojuca, Pernambuco, 46 toneladas de lixo hospitalar importado dos Estados Unidos. O carregamento, encontrado em dois contêineres, foi importado como “tecido de algodão com defeito” e continha lençóis manchados de sangue, seringas, luvas cirúrgicas, máscaras, entre outros produtos com  potencial de contaminação biológica. O destino da carga seria o pólo têxtil de Santa Cruz do Capibaribe, no interior do estado. Outros 14 contêineres importados pela mesma empresa estão a caminho do Brasil.
O triste episódio vai muito além das óbvias implicações negativas de natureza ambiental e de saúde pública. Não é um fato isolado. Em 2009, cerca de 1200 toneladas de resíduos tóxicos provenientes do Reino Unido chegaram aos portos de Santos e do Rio Grande. As apreensões de 2009 e as atuais provavelmente são apenas a ponta de um sombrio iceberg cuja parte imersa é todo o lixo que não foi detectado nas fiscalizações e que escapou aos limites dos portos, contaminando nosso país com os rejeitos do hemisfério norte. Apenas uma pequena amostra dos contêineres é vistoriada para confirmar se o conteúdo corresponde ao declarado na documentação.
O risco ao qual estão submetidos nosso meio ambiente e a saúde da população, decorrente da vulnerabilidade brasileira a essas atitudes irresponsáveis de empresários estadunidenses e britânicos, e talvez de outros países, das quais participam brasileiros desprovidos de senso ético e de patriotismo, exige uma profunda reflexão acerca do problema.
Lençóis contaminados com sangue
encontrados no Porto de Suape.
 Foto: Divulgação ANVISA

O Estado é absolutamente necessário para que o povo seja protegido e tenha seus direitos fundamentais assegurados. Apenas a condição natural do ser humano não é suficiente para o atendimento das necessidades geradas pelo convívio em sociedade, como demonstra Rousseau no “Contrato Social”. É por isso que as pessoas abrem mão de liberdade irrestrita, se sujeitam a limitações abstratas e, sobretudo, empregam parte de sua produção e força de trabalho na manutenção do aparato estatal que lhes garantirá as condições mínimas para que vivam em segurança. Na hipótese de um Estado fraco, predominam as condições impostas por grupos mais fortes, em consonância com seus interesses e em detrimento do bem comum.
Os grupos que têm interesse no enfraquecimento do Estado são representados principalmente pelas corporações, que no atual cenário de economia globalizada há muito superaram os poderes estatais. Representantes desses interesses estão pulverizados no tecido social e suas ações ecoam nos parlamentos, tribunais, empresas, terceiro setor, imprensa, entre outros. Propugnam o afastamento do Estado em relação ao mercado e discursam com veemência contra qualquer tentativa de fortalecimento da máquina pública. Divulgam um falso consenso sobre a necessidade de enxugamento constante das entidades e órgãos públicos e criticam freneticamente qualquer contratação ou aumento de vencimentos de servidores públicos, mas fingem-se de mortos quanto às contratações de grandes obras, socorros financeiros e subsídios governamentais que beneficiam bancos, empreiteiras e o agronegócio. Criticam a carga tributária brasileira, mas jamais se insurgem contra a injustiça do nosso sistema tributário não progressivo que incide mais intensamente sobre os que ganham menos. Querem redução linear de impostos para manter um sistema concentrador que os beneficia.
O resultado da influência que o falso consenso liberal exerce sobre a política é a falta de proteção da sociedade contra a voracidade do capital e do colonialismo disfarçado. O episódio do lixo hospitalar é apenas uma face do problema. Não temos fiscais em número suficiente e as apreensões, ao contrário de terem nos protegido, apenas nos alertam sobre o quanto já fomos prejudicados. Para que o Estado cumpra seu papel ele deve ser mais eficiente e eficaz, e ainda precisamos avançar muito nesse aspecto. Mas isso não é possível com instituições públicas mal aparelhadas e com servidores mal remunerados. A regra de mercado acaba sendo aplicada na disputa por bons profissionais e os setores estatais que remuneram mal perdem seus melhores quadros. As corporações bem sucedidas pagam bem aos seus executivos e os governos imperialistas exportadores de lixo fazem o mesmo aos seus burocratas. Por que querem impor ao Brasil, com a ajuda dos capitalistas nacionais, a desprofissionalização das carreiras públicas? Gana e Somália são hoje os maiores receptores de resíduos tóxicos, de informática, industriais e até nucleares, provenientes de nações economicamente mais desenvolvidas, exatamente por que não dispõem de aparatos estatais fortes e estruturados.
O Brasil só não sucumbiu à crise mundial de 2008 porque possui um sistema relativamente bom de regulação financeira, mas não podemos dizer o mesmo sobre outros setores do governo, em especial no que diz respeito à regulação ambiental e sanitária. As instituições públicas que lidam com a área carecem de melhor estruturação.
Fonte: http://www.paduacampos.com.br/

Saber que recebemos resíduos de outros países é uma afronta para nossa nação. As exportações ilegais desse material são feitas para que as empresas se livrem das grandes exigências impostas nos países de origem. A saída que encontram é mandar a imundície para os locais do mundo que elas consideram como seu quintal. Supõem que os habitantes daqui  valham menos e sejam inferiores aos norte-americanos e europeus. Na ponta do lápis, percebem que sai mais barato vender o lixo para os “subdesenvolvidos” do que tratá-lo adequadamente. Alguns brasileiros se aproveitam e ganham dinheiro submetendo o país a tamanha humilhação. Até quando aceitaremos isso? É preciso que o Itamaraty haja com determinação e não aceite que o Brasil seja transformado em lixeira. Já temos sujeira suficiente por aqui.

domingo, 16 de outubro de 2011

Estamos despertando?

Por Joaquim  Maia Neto
Na última quarta-feira, dia 12, dia da Padroeira do Brasil e das crianças, diversas cidades brasileiras transformaram-se em palco para grandes manifestações de cidadania: as marchas contra a corrupção. O “Movimento Contra a Corrupção”, que já está organizado em quinze estados, contou com a força das redes sociais para mobilizar a sociedade, mas não se restringiu a elas. Sabendo que as manifestações presenciais são muito mais eficazes na sensibilização da opinião pública e dos poderes constituídos, o Movimento está combinando, de maneira inteligente, a capilaridade da comunicação eletrônica com o poder contagiante das grandes marchas, resultando num envolvimento popular como há muito não se via.
Em Brasília a marcha foi extremamente bem organizada. Pacífica, contou com a participação predominante de jovens entre as vinte mil pessoas que encheram a Esplanada dos Ministérios, mas também havia muitas famílias com crianças e idosos. Trabalhadores, estudantes, aposentados, representantes de minorias, uma grande parcela da sociedade estava representada. A presença do presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, que defendeu em seu discurso o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), deu ainda mais peso à marcha. 
Presidente da OAB, Ophir Cavalcante,
 discursa durante a Marcha
Muitas características do movimento e das marchas levam a uma expectativa otimista quanto à percepção crítica da sociedade sobre a política. A presença maciça de jovens nos mostra que, ao contrário do que ocorrera no passado próximo, o jovem volta a se interessar por política e de uma maneira bastante positiva, engajando-se nela e exigindo dos Três Poderes uma postura ética com a coisa pública. A predominância da juventude nos traz um alento quanto ao futuro. Outro ponto interessante é a ausência de personificação do movimento. Não houve uma figura de destaque que pudesse gerar suspeita sobre interesses individuais ou de grupos. A organização do movimento é plural, com atribuições bem divididas entre os membros. Percebi que no atendimento à imprensa, vários organizadores deram entrevistas aos diversos veículos de comunicação, sempre buscando que os holofotes iluminassem o movimento e não as pessoas. Sem caráter partidário, a marcha esteve livre para criticar construtivamente as falhas éticas existentes nos poderes executivo, legislativo e judiciário.
Os três eixos principais defendidos durante as marchas são assuntos de extrema importância para a moralização da máquina pública: A defesa do CNJ, em especial da competência de sua corregedoria para julgar desvios disciplinares de juízes independentemente da apuração por parte das corregedorias dos tribunais; a implementação da Lei da Ficha Limpa e; a abolição do voto secreto no parlamento. A grande adesão ao movimento mostra que as pessoas estão compreendendo a importância dos temas e exigem uma drástica mudança nos costumes políticos do país.
Os três pontos são igualmente importantes, mas o envolvimento da sociedade na defesa do CNJ é imprescindível. O Poder Judiciário, ao contrário dos demais, não passa pelo crivo das urnas e, portanto, os cidadãos não dispõem do poder que têm sobre o executivo e o legislativo, de barrar, com seu voto, maus representantes a cada eleição periódica. Como em todos os poderes e em todos os segmentos da sociedade, existem maus juízes, corruptos, bandidos de toga, como bem disse a ilustre ministra Eliana Calmon, e não podemos admitir que sejam contemplados com a impunidade devido ao corporativismo existente nos tribunais.
A Lei da Ficha limpa terá sua constitucionalidade julgada provavelmente ainda neste mês pelo Supremo Tribunal Federal. Ao impedir que políticos condenados por um tribunal se candidatem a cargos eletivos, a Lei retiraria dos corruptos a possibilidade de continuar a surrupiar o dinheiro que deveria servir à população. É evidente que a própria sociedade pode aplicar o conceito de ficha limpa sem a necessidade de Lei, informando-se sobre o passado do candidato e não votando naqueles que são condenados. Mas num país como o nosso, onde a maioria da população não tem o hábito de se informar sobre os detalhes da atividade política, a Lei é mais do que necessária. Já a extinção do voto secreto, além de garantir um direito óbvio ao eleitor, de saber como se comporta o seu representante, permitiria distinguir entre os parlamentares, aqueles que são comprometidos com a bandidagem daqueles que respeitam seus eleitores e votam de acordo com o interesse público.
Por mais descomprometida que seja a maioria dos nossos parlamentares com as questões éticas, o medo de perder votos é uma grande motivação para que senadores, deputados e vereadores votem de acordo com o que deseja a sociedade. Isso ficou explícito na votação da Lei da Ficha Limpa no Congresso. Neste sentido, as manifestações de quarta-feira foram um importante instrumento de pressão sobre o legislativo. Cabe à presidente Dilma aproveitar a pressão popular e continuar a enfrentar os corruptos que estão no governo, pois parece que após a faxina no Ministério dos Transportes e a troca de comando do Ministério do Turismo, a presidente esmoreceu nessa iniciativa. Se ela demonstrar empenho no combate à corrupção, terá o respaldo do movimento que está ganhando corações e mentes pelo Brasil.
Por fim, apesar do imenso avanço que representa o Movimento Contra a Corrupção, é nítido que ele ainda não alcançou segmentos mais humildes da população. Certamente ainda conviveremos com a eleição de maus políticos nas próximas disputas eleitorais, mas que seja em número menor do que o atual. Se o movimento alcançar seus três principais objetivos, estaremos construindo as bases para uma ampla moralização da política e teremos motivação para avançar na ampliação da consciência ética entre o grande contingente de eleitores brasileiros. Sem dúvida, este seria um belo presente que os manifestantes deixariam para o futuro das crianças.

domingo, 9 de outubro de 2011

Capitalismo e suas mazelas


Por Joaquim Maia Neto
Praticamente todas as mazelas vividas pela sociedade moderna têm como causa o sistema capitalista. Aqueles que afirmam isso e lutam contra o sistema costumam ser considerados pessoas utópicas, distantes da realidade.
A hegemonia do pensamento capitalista, que começa a ruir com as frequentes crises que estão abalando o mundo desde a quebra de Wall Street em 2008, deve-se em parte a inexistência de uma experiência socialista que se preocupasse com o bem estar das pessoas e do planeta. Todos os regimes socialistas experimentados no mundo se utilizaram de repressão à sociedade e impuseram às pessoas diversos tipos de sofrimento. Além disso, à semelhança do capitalismo, buscaram o crescimento econômico linear.
Apesar de equivocados e danosos, os regimes socialistas autoritários não são piores do que o capitalismo em termos de imputação de sofrimento e criação de problemas econômicos, sociais e ambientais de difícil solução. Aliás, os problemas que o capitalismo causa têm solução impossível na hipótese de manutenção do regime.
A condição básica para o “êxito” do capitalismo é o crescimento econômico constante. Para isso, as pessoas têm que consumir cada vez mais. Se isso não for possível, deve-se garantir o crescimento com um número crescente de pessoas sendo inseridas no mercado. Esse objetivo tem sido alcançado com o crescimento demográfico mundial e com a publicidade violenta sobre grupos que tem potencial de se tornarem consumidores, como as crianças, por exemplo. Um sistema assim não é de modo algum compatível com as limitações naturais existentes no planeta e, portanto, não existe sustentabilidade ambiental dentro do sistema capitalista.
A questão ambiental é apenas uma das fontes de problemas causados pelo capitalismo, que em sua versão moderna, se utiliza de uma eficiente ferramenta de perpetuação que potencializa as enfermidades do sistema: a corporação. Em 2003 foi lançado “The Corporation”, um excelente documentário dos canadenses Mark Achbar e Jennifer Abbott, inspirado em um best-seller de Joel Bakan. O filme explica com riqueza ímpar a ascensão das grandes corporações mundiais e os problemas sociais, ambientais, econômicos e políticos causados por elas, além de dissecar a máquina de manipulação mercadológica que as constitui. Em uma bela analogia muito bem trabalhada no documentário, procura-se identificar o perfil psíquico da corporação, e conclui-se que, se fosse uma pessoa natural, a corporação seria um psicopata, dada a capacidade de prejudicar deliberadamente as pessoas, sem nenhum remorso ou arrependimento.
Sempre atrelada ao poder, a corporação tornou-se a instituição mais poderosa no mundo atual, submetendo até mesmo o poder político aos seus interesses. Passando por situações de cooperação com regimes totalitários, como o apoio da estadunidense IBM ao governo de Hitler na Alemanha nazista, até a completa submissão de governos aos seus interesses, como no caso da privatização da água boliviana à francesa Suez, em 1997, por imposição do FMI, as corporações são o braço operacional do capitalismo, concentrando renda nas mãos de poucos às custas de prejuízos a muitos. Trabalho escravo, poluição, golpes de estado, genocídio, fome, guerras, entre outras chagas repudiadas publicamente por qualquer executivo de uma grande transnacional, estão entre as ações e consequências das atividades de quase todas as grandes corporações mundiais.
Muito se tem falado da nova doutrinação imposta pelo sistema capitalista para se eximir de sua responsabilidade sobre o colapso ambiental iminente, impedindo com isso uma reação social contra o sistema. A estratégia é iludir o consumidor de que suas escolhas pessoais e ações individuais são suficientes para reverter o quadro de esgotamento dos recursos naturais, desequilíbrio ecológico e mudanças climáticas. Não sou do grupo dos que desprezam as ações individuais. Ao contrário, acho que elas são importantíssimas para reduzirmos nosso impacto no planeta e ganharmos tempo. Tempo para quê? Tempo para lutar contra um sistema que nos faz comprar cada vez mais coisas que não precisamos e que nos valoriza de acordo com nossa capacidade de consumir recursos naturais, descartar lixo em quantidades crescentes e poluir cada vez mais. Só faz sentido evitar a compra de alimentos com componentes transgênicos, optar por alimentos orgânicos ou ir ao trabalho de bicicleta, se houver a compreensão de que não se deve abdicar de desmontar as estruturas que estão destruindo o planeta, gerando violência devido à segregação social e excluindo milhões de seres humanos do acesso ao mínimo necessário para uma vida digna. 
Ainda estamos muito distantes de um mundo onde a solidariedade, a justiça, os valores morais, a ética e o respeito à natureza, predominarão. Mas esse mundo tem que estar em nossas mentes como uma utopia a ser construída diariamente. Sobrevivemos nessa sociedade doente, ora enfrentando o regime, com maior ou menor empenho e resistência, ora aceitando suas imposições para continuar vivendo. São inevitáveis algumas contradições individuais, que serão superadas na medida em que o enfrentamento do problema ganhar um caráter coletivo.
 
Mindmap of The Corporation - Fonte: Galeria de Austin Kleon - http://www.flickr.com/

domingo, 2 de outubro de 2011

Temos comida para todos?

Por Joaquim Maia Neto
O desperdício de alimentos é um grande problema ambiental e social. Segundo a ONG estadunidense Food not Bombs, os EUA jogam no lixo anualmente cerca de 45 bilhões de quilos de alimentos. Naquele país, aproximadamente 50 milhões de pessoas passam fome, conforme relatório do Departamento de Agricultura e Economia (USDA) divulgado no ano passado. Em 2006 esse número era de 30 milhões, mas foi majorado com a crise econômica iniciada em 2008. As necessidades desses famintos seriam atendidas com apenas 3 bilhões de quilos de alimentos por ano, ou seja, 6,7% do que é desperdiçado.
No Brasil a situação não é diferente. Apesar de ainda termos 11,2 milhões de famintos, o brasileiro joga fora muita comida. No caso das hortaliças, por exemplo, o desperdício é de aproximadamente 37 quilos por habitante, enquanto que o consumo é de 35. Estamos entre os dez países que mais desperdiçam alimentos. Aqui, 20% da comida é desperdiçada na colheita, 8% no transporte, 15% na indústria e 1% no varejo. Antes de chegar às nossas casas, 44% do que é produzido vai para o lixo. No ambiente doméstico os brasileiros ainda jogam fora mais 20%, por diversos motivos, entre eles a cultura de não aproveitar partes nutritivas dos alimentos, falhas na preparação e conservação e aquisição de quantidades superiores às necessidades familiares.
Jogar comida fora é uma atitude hedionda, mas que infelizmente se tornou comum na sociedade moderna. Além de intolerável diante da quantidade absurda de seres humanos que passam fome, o desperdício de gêneros alimentícios é causador de imenso impacto ambiental. Considerando os índices brasileiros de desperdício, a humanidade poderia ocupar metade da área que ocupa atualmente se não jogasse comida no lixo. Teríamos menos desmatamento, menos poluição por agrotóxicos, mais água disponível e menos alterações climáticas. Não é só o impacto da produção do que desperdiçamos que se constitui em problema ambiental. Os alimentos desperdiçados acabam lotando lixões e aterros, contaminam o solo e as águas e ainda emitem gases do efeito estufa durante sua decomposição.
No processo de colheita, muitas vezes o produto é descartado simplesmente porque os consumidores não aceitam alimentos com cores, formas e tamanhos diferentes do padrão, apesar de terem o mesmo valor nutricional. No transporte, perde-se muito devido ao hábito de se consumir produtos de regiões distantes em detrimento da produção local. O longo tempo de deslocamento faz com que parte da produção chegue estragada ao destino. Mesmo no caso de produtos de duração mais longa, como grãos, há grande desperdício no transporte, porque se utilizam veículos não apropriados. Quem nunca rodou atrás de um caminhão de soja numa rodovia e teve seu carro metralhado por grãos em queda? E esses grãos ainda contribuem para a proliferação de ratos e pombos em cidades portuárias.
Nas nossas casas a manutenção, preparação e consumo de alimentos ganham ares de irracionalidade. Em geral as pessoas vão ao mercado e compram mais do que precisam. Muita coisa fica na geladeira até estragar ou até passar a data de validade, e o destino é o lixo. Do que não estraga, muito é desperdiçado. Cascas, talos, folhas e muitas outras partes nutritivas e comestíveis são desprezadas. Mesmo após o preparo, o desperdício continua. O hábito de deixar sobras no prato é comum e as crianças são ensinadas pelos adultos de que isso é normal. Quando vejo carne desperdiçada, fico mais indignado ainda em saber que a imolação do animal foi em vão.
Restaurantes em geral são templos do esbanjamento, não por culpa dos chefs, cozinheiros e proprietários, que normalmente aproveitam tudo o que podem, mas pelo mau hábito dos clientes.
A tolerância que temos com o desperdício de alimentos é uma patologia social. Quando a maior parte da população era rural, esse problema não era tão grave. O homem do campo sempre teve a cultura de aproveitar tudo, por um motivo muito simples: sabe o trabalho que se submete para produzir a comida. A relação do camponês com a terra, o milagre de fecundar o chão e produzir a vida, muito bem retratados na canção “Cio da Terra” de Milton e Chico, fazem com que haja uma cumplicidade entre o produtor e o produto. O alimento é considerado sagrado. Na minha infância era comum ouvir os mais velhos dizerem que “jogar comida fora é pecado”.
O êxodo rural e a grande concentração da população no meio urbano perverteram a “liturgia” do alimento. As pessoas da cidade sequer sabem como se produz a comida. Não têm idéia do labor do agricultor, da espera pela chuva, do acompanhamento das condições climáticas, do plantio, da expectativa da colheita. Para o homem da metrópole, o alimento não passa de mais um produto de consumo diário. Não há nada de sagrado e por isso jogar no lixo o fruto do trabalho das mãos rurais não provoca qualquer incômodo.
Ao contrário dos pequenos produtores rurais, que residem “na roça”, o chamado agronegócio, cujos operadores vivem longe do meio rural e apenas exploram a terra e os trabalhadores, não se importa com o desperdício, aliás, beneficia-se dele na lógica capitalista, pois quanto maior o desperdício, mais irá vender e os custos das perdas anteriores à chegada ao consumidor são embutidos nos preços dos produtos. Os “agros” criticam a legislação ambiental porque querem desmatar mais, ampliar a fronteira agrícola, vender e lucrar mais. Nunca vi uma campanha deles contra o imenso desperdício de alimentos que perdura no Brasil e no mundo.
Combater o desperdício de alimentos, além de ser medida essencial para o combate à fome e à degradação ambiental, também é importante para a economia. A comida poderia ser bem mais barata se fosse melhor aproveitada.
Há carência de políticas públicas voltadas para o combate ao desperdício. Deveria haver campanhas educativas e o incentivo ao consumo de produtos produzidos localmente. A questão da educação é muitíssimo importante, porque até mesmo pessoas em situação de falta de segurança alimentar, populações com problemas de subnutrição, costumam desprezar partes nutritivas dos alimentos por mera questão cultural, que pode ser mudada.
A solução do problema passa pela mudança no comportamento cotidiano das pessoas, pela educação e pela cobrança dos formuladores das políticas para a área. Ao final da sua próxima refeição, olhe para seu prato e reflita sobre isso.