Por Joaquim Maia Neto
O desperdício de alimentos é um grande problema ambiental e social. Segundo a ONG estadunidense Food not Bombs, os EUA jogam no lixo anualmente cerca de 45 bilhões de quilos de alimentos. Naquele país, aproximadamente 50 milhões de pessoas passam fome, conforme relatório do Departamento de Agricultura e Economia (USDA) divulgado no ano passado. Em 2006 esse número era de 30 milhões, mas foi majorado com a crise econômica iniciada em 2008. As necessidades desses famintos seriam atendidas com apenas 3 bilhões de quilos de alimentos por ano, ou seja, 6,7% do que é desperdiçado.
No Brasil a situação não é diferente. Apesar de ainda termos 11,2 milhões de famintos, o brasileiro joga fora muita comida. No caso das hortaliças, por exemplo, o desperdício é de aproximadamente 37 quilos por habitante, enquanto que o consumo é de 35. Estamos entre os dez países que mais desperdiçam alimentos. Aqui, 20% da comida é desperdiçada na colheita, 8% no transporte, 15% na indústria e 1% no varejo. Antes de chegar às nossas casas, 44% do que é produzido vai para o lixo. No ambiente doméstico os brasileiros ainda jogam fora mais 20%, por diversos motivos, entre eles a cultura de não aproveitar partes nutritivas dos alimentos, falhas na preparação e conservação e aquisição de quantidades superiores às necessidades familiares.
Jogar comida fora é uma atitude hedionda, mas que infelizmente se tornou comum na sociedade moderna. Além de intolerável diante da quantidade absurda de seres humanos que passam fome, o desperdício de gêneros alimentícios é causador de imenso impacto ambiental. Considerando os índices brasileiros de desperdício, a humanidade poderia ocupar metade da área que ocupa atualmente se não jogasse comida no lixo. Teríamos menos desmatamento, menos poluição por agrotóxicos, mais água disponível e menos alterações climáticas. Não é só o impacto da produção do que desperdiçamos que se constitui em problema ambiental. Os alimentos desperdiçados acabam lotando lixões e aterros, contaminam o solo e as águas e ainda emitem gases do efeito estufa durante sua decomposição.
No processo de colheita, muitas vezes o produto é descartado simplesmente porque os consumidores não aceitam alimentos com cores, formas e tamanhos diferentes do padrão, apesar de terem o mesmo valor nutricional. No transporte, perde-se muito devido ao hábito de se consumir produtos de regiões distantes em detrimento da produção local. O longo tempo de deslocamento faz com que parte da produção chegue estragada ao destino. Mesmo no caso de produtos de duração mais longa, como grãos, há grande desperdício no transporte, porque se utilizam veículos não apropriados. Quem nunca rodou atrás de um caminhão de soja numa rodovia e teve seu carro metralhado por grãos em queda? E esses grãos ainda contribuem para a proliferação de ratos e pombos em cidades portuárias.
Nas nossas casas a manutenção, preparação e consumo de alimentos ganham ares de irracionalidade. Em geral as pessoas vão ao mercado e compram mais do que precisam. Muita coisa fica na geladeira até estragar ou até passar a data de validade, e o destino é o lixo. Do que não estraga, muito é desperdiçado. Cascas, talos, folhas e muitas outras partes nutritivas e comestíveis são desprezadas. Mesmo após o preparo, o desperdício continua. O hábito de deixar sobras no prato é comum e as crianças são ensinadas pelos adultos de que isso é normal. Quando vejo carne desperdiçada, fico mais indignado ainda em saber que a imolação do animal foi em vão.
Restaurantes em geral são templos do esbanjamento, não por culpa dos chefs, cozinheiros e proprietários, que normalmente aproveitam tudo o que podem, mas pelo mau hábito dos clientes.
A tolerância que temos com o desperdício de alimentos é uma patologia social. Quando a maior parte da população era rural, esse problema não era tão grave. O homem do campo sempre teve a cultura de aproveitar tudo, por um motivo muito simples: sabe o trabalho que se submete para produzir a comida. A relação do camponês com a terra, o milagre de fecundar o chão e produzir a vida, muito bem retratados na canção “Cio da Terra” de Milton e Chico, fazem com que haja uma cumplicidade entre o produtor e o produto. O alimento é considerado sagrado. Na minha infância era comum ouvir os mais velhos dizerem que “jogar comida fora é pecado”.
O êxodo rural e a grande concentração da população no meio urbano perverteram a “liturgia” do alimento. As pessoas da cidade sequer sabem como se produz a comida. Não têm idéia do labor do agricultor, da espera pela chuva, do acompanhamento das condições climáticas, do plantio, da expectativa da colheita. Para o homem da metrópole, o alimento não passa de mais um produto de consumo diário. Não há nada de sagrado e por isso jogar no lixo o fruto do trabalho das mãos rurais não provoca qualquer incômodo.
Ao contrário dos pequenos produtores rurais, que residem “na roça”, o chamado agronegócio, cujos operadores vivem longe do meio rural e apenas exploram a terra e os trabalhadores, não se importa com o desperdício, aliás, beneficia-se dele na lógica capitalista, pois quanto maior o desperdício, mais irá vender e os custos das perdas anteriores à chegada ao consumidor são embutidos nos preços dos produtos. Os “agros” criticam a legislação ambiental porque querem desmatar mais, ampliar a fronteira agrícola, vender e lucrar mais. Nunca vi uma campanha deles contra o imenso desperdício de alimentos que perdura no Brasil e no mundo.
Combater o desperdício de alimentos, além de ser medida essencial para o combate à fome e à degradação ambiental, também é importante para a economia. A comida poderia ser bem mais barata se fosse melhor aproveitada.
Há carência de políticas públicas voltadas para o combate ao desperdício. Deveria haver campanhas educativas e o incentivo ao consumo de produtos produzidos localmente. A questão da educação é muitíssimo importante, porque até mesmo pessoas em situação de falta de segurança alimentar, populações com problemas de subnutrição, costumam desprezar partes nutritivas dos alimentos por mera questão cultural, que pode ser mudada.
A solução do problema passa pela mudança no comportamento cotidiano das pessoas, pela educação e pela cobrança dos formuladores das políticas para a área. Ao final da sua próxima refeição, olhe para seu prato e reflita sobre isso.
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