Por Joaquim Maia Neto
Vazamento de óleo em poço da Chevron no Campo de Frade - Bacia de Campos Foto: Divulgação/Estado do Rio de Janeiro |
Passados vinte dias do vazamento de óleo no poço explorado pela petroleira estadunidense Chevron-Texaco, localizado na Bacia de Campos, temos mais perguntas do que respostas sobre o problema. O que existe de certeza é a total má fé da empresa responsável pela exploração. Com diversas mentiras, a petroleira tentou enganar a opinião pública e as autoridades. Primeiro a Chevron informou que o vazamento era consequência de uma fissura natural no leito do oceano, o que foi desmentido posteriormente pela própria empresa diante das evidências em contrário. Novas mentiras se sucederam sobre a dimensão do problema. Imagens de satélite da NASA apontam para um derramamento da ordem de 3700 barris por dia, mais de onze vezes maior que o informado pela Chevron. A Polícia Federal constatou que apenas um navio estava fazendo o trabalho de limpeza da região afetada, ao invés dos dezoito que a empresa informou em nota oficial. O delegado responsável pelo inquérito não obteve da Chevron, até o momento, a informação sobre o destino do óleo retirado do mar, o que o leva a questionar se realmente a limpeza está sendo realizada, pois se o petróleo é retirado, tem que ser destinado a algum lugar. As notícias mais recentes demonstram que ao contrário do que se previa inicialmente, parte do óleo deve chegar às praias do litoral sudeste e que o acidente pode ter proporções muito mais graves do que se imagina, pois pode ter havido ruptura do reservatório.
Entre as inconsistências apontadas pela Polícia Federal está o fato de que o equipamento utilizado pela plataforma para observar o local de perfuração não tem capacidade para alcançar os 1200 metros, que é a profundidade na qual está o vazamento. A observação é fundamental para se detectar o acidente no início e consequentemente iniciar as medidas de contingência necessárias à minimização do impacto ambiental. Há suspeitas de que a Chevron tentava ilegalmente alcançar a camada pré-sal, já que operava com uma sonda capaz de perfurar 7600 metros de profundidade, quando estava autorizada a explorar até uma profunidade de cerca de 2500 metros.
Entre as perguntas que permanecem sem resposta estão aquelas sobre a atuação do IBAMA e da ANP. Será que a licença de operação foi concedida após o atendimento de todas as condicionantes previstas nas licenças prévia e de instalação, ao contrário do licenciamento da UHE de Belo Monte, onde diversas etapas foram queimadas? Foi exigido equipamento de observação compatível com a profundidade explorada? Os estudos ambientais foram suficientemente detalhados a ponto de se prever a possibilidade deste acidente? A Chevron comprovou que dispõe dos equipamentos necessários ao atendimento de emergências ambientais no local do acidente? Quantas vezes o IBAMA e a ANP fiscalizaram o local da exploração para verificar se as condições necessárias para a expedição de licenças e outorgas estavam sendo cumpridas?
Neste ano a Justiça do Equador multou a Chevron em um valor equivalente a 13 bilhões de reais devido à poluição com óleo na Floresta Amazônica. No caso brasileiro, até agora as multas administrativas não passaram de 150 milhões de reais, o que equivale a dois dias de faturamento da empresa. O caso brasileiro deveria levar à cassação da licença e da outorga, impedindo que a petroleira continue atuando no país.
Várias lições podem ser tiradas deste triste episódio, já que o acidente ocorrido no ano passado na plataforma da British Petroleum, no Golfo do México, não foi suficiente para que as autoridades brasileiras se preparassem para uma situação de emergência, e nem mesmo para prevenir esse tipo de desastre.
Desde 2003 patina no Governo Federal a construção de um plano nacional de contingências para acidentes com óleo. Apesar da necessidade de envolver várias áreas do governo, a elaboração e coordenação do plano cabem ao Ministério do Meio Ambiente. Não saiu simplesmente porque o governo não prioriza a área ambiental. Enquanto estimula os investimentos em setores com alto potencial de impacto, a presidente Dilma negligencia solenemente as necessárias contrapartidas na prevenção, proteção e conservação ambientais. Recentemente a ministra Izabella Teixeira publicou uma série de portarias simplificando o licenciamento ambiental, inclusive para empreendimentos de petróleo e gás.
O orçamento do Ministério do Meio Ambiente, que cuida de toda a política ambiental brasileira, incluindo suas autarquias vinculadas, é de cerca de 10% do orçamento que os EUA destinam somente à agência de proteção ambiental e à guarda costeira, que lá tem a atribuição de fiscalizar acidentes com óleo no mar. Dizer que não se pode comparar nosso país com os EUA é um argumento que não se aplica neste caso, pois os investimentos em exploração de petróleo no Brasil são imensos e a descoberta de óleo na camada pré-sal está colocando o país na condição de mega-produtor mundial, o que exige um investimento compatível com os riscos inerentes à expansão do setor.
O IBAMA tem sido pressionado a conceder licenças a “toque-de-caixa” e isso faz com que o princípio da precaução seja deixado de lado. Como as respostas às perguntas apresentadas acima ainda não foram dadas, não podemos afirmar que este foi o caso do licenciamento da plataforma da Chevron, mas o acidente tem o caráter didático de mostrar porque o licenciamento ambiental não pode ser um mero procedimento cartorial como querem empresários, políticos e parte da mídia que insiste em criticar o IBAMA pela demora na liberação das licenças. O enfraquecimento da atuação da União na área ambiental promovido pelo governo, em especial do IBAMA, colocará o Brasil numa condição de grande vulnerabilidade.
É interessante notar que setores da imprensa como, por exemplo, a Rede Bandeirantes, personificada nas figuras do âncora Ricardo Boechat e do comentarista econômico Joelmir Beting, têm se manifestado criticamente em relação à omissão estatal diante do acidente da Chevron, enquanto patrocinam o desmonte da legislação florestal com matérias jornalísticas altamente tendenciosas lastreadas em informações distorcidas e inverídicas. É preciso que a sociedade compreenda que as questões ambientais estão todas interligadas e que negligenciar a área traz resultados catastróficos com este.
Nos EUA, onde a legislação é muito mais rigorosa em termos de responsabilização dos envolvidos em acidentes ambientais, houve negligência na regulação do setor petroleiro e essa foi uma das causas do acidente da BP. Se em um país que tem orçamento muito maior para lidar com o assunto e que dispõe de funcionários do governo bem remunerados e equipados, acontece um desastre como o do ano passado, o que irá acontecer no Brasil, onde o governo desmonta a legislação ambiental e as instituições responsáveis pela sua aplicação? A carreira ambiental do governo é uma das menos valorizadas e o nível de defasagem remuneratória a torna pouco atrativa e promove a fuga de técnicos gabaritados para outras carreiras ou para a iniciativa privada. Cria-se assim a condição ideal para uma regulação frouxa, que permite que as empresas se tornem negligentes para com suas obrigações.
É praticamente uma heresia questionar os investimentos brasileiros na exploração de óleo na camada pré-sal. Atualmente só se discute o que fazer com o dinheiro advindo de tal exploração, levando até mesmo a uma grave ameaça ao pacto federativo devido à guerra instaurada pela disputa dos royalties entre os chamados “estados produtores e não-produtores”. Não se lê uma linha com uma postura crítica sobre o assunto. Os questionamentos essenciais quase nunca são feitos e são considerados coisa de gente não patriota. Num momento em que o mundo discute a redução das emissões de gases do efeito estufa para salvar o planeta, o Brasil investe pesado na exploração de um hidrocarboneto, contribuindo para que a matriz energética mundial se torne menos limpa. Pior do que isso é o país estar muito preocupado em explorar os recursos naturais, e quase nada preocupado em conservar a natureza que permitiu ao longo de milhões de anos que os seres vivos que morreram naturalmente fornecessem o carbono necessário à formação das reservas de petróleo.
Nas discussões sobre o destino das royalties, há propostas para financiar educação, saúde e outras demandas sociais, mas não se fala em garantir parte destes recursos para fortalecer o aparato ambiental estatal, o que seria lógico diante do aumento do risco e dos impactos ambientais que a expansão da exploração de petróleo está causando.
Manifestantes do Greenpeace em frente à sede da Chevron no Rio de Janeiro Foto: Divulgação/Greenpeace |
Considero um grande atraso investir na produção de combustíveis fósseis no atual contexto de tecnologias disponíveis para produção de energia limpa, cada vez mais baratas e viáveis. Mas deixando a minha “heresia” de lado e sendo um pouco pragmático, só vejo viabilidade ambiental na exploração do pré-sal se houver um grande aumento nas exigências às empresas exploradoras e um grande fortalecimento da ANP e da área ambiental do governo, para que se faça uma regulação de verdade, ao invés deste arremedo regulatório que existe hoje. Se o caminho não for este, transformaremos a “Amazônia Azul”, que a Marinha do Brasil tanto enaltece, num gigantesco tambor de óleo.
Edgar Santana
ResponderExcluirArtigo bem escrito.. pesa um pouco o fato de comparar o Brasil com os EUA, mesmo porque são eles os maiores poluidores existentes na terra desde sempre, e ter em conta também o elevadíssimo PIB que possuem e maiores possiblidade de investimento nessa área.. e mais ainda pelo fato de que a Chevron é uma empresa estadounidense, assim que incomoda a comparação..
Mas realmente os investimentos nessa área são fundamentais, em vista do risco que envolve a extração de petróleo.. e absolutamente de acordo que a empresa volte a extrair petróleo e suas terras, já que ficou comprovado a má fé da mesma em ocultar informações, já que não podemos multar um prejuízo como esse em mais de 50 milhões de reais por conta da nossa legislação.