Por Joaquim Maia Neto
Editoria de Arte/Folhapress |
Na semana passada a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA divulgou o resultado do levantamento do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos de Alimentos (PARA), referente ao ano de 2010. Os resultados são alarmantes. Foram avaliados 18 produtos muito comuns na alimentação do brasileiro e 27,9% das amostras apresentaram dados insatisfatórios. Uma amostra é considerada insatisfatória para o consumo humano quando nela são detectados resíduos de agrotóxicos não autorizados, agrotóxicos autorizados com resíduos acima dos limites máximos permitidos ou quando ocorrem ambas as situações. O maior problema é com os não autorizados. Em 26,2% das amostras foram encontrados resíduos de produtos não permitidos no Brasil, sendo que em 1,9% o problema ocorreu simultaneamente com a presença de agrotóxicos autorizados encontrados acima do limite máximo aceitável. Parece pouco, mas não é, principalmente se considerarmos que estes números são médios entre todos os itens pesquisados e que há alimentos específicos para os quais os percentuais são muito superiores.
O caso mais grave é o do Pimentão, com 91,8% de reprovação e com todas as amostras reprovadas contendo agrotóxicos proibidos. Morango, pepino, alface, cenoura, abacaxi, beterraba, couve e mamão também possuem índices não seguros. Para estes produtos é muito recomendável consumir apenas orgânicos.
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do planeta. Superou os EUA, antigo líder, em 2008. A média de consumo é de 5 Kg por habitante ao ano. Diversos produtos banidos em várias partes do mundo encontram no Brasil o ambiente que necessitam para continuar sobrevivendo, pois nossa legislação é frouxa. Dos 50 princípios ativos mais utilizados aqui, 20 são proibidos na União Europeia. O endosulfan, muito utilizado no pimentão, já foi banido nos EUA e na China, mas ainda pode ser utilizado no Brasil até 2013. A ANVISA tem enfrentado muitas ações judiciais contra resoluções proibindo o uso de agrotóxicos. É comum que os fabricantes consigam liminares que permitem a continuação da comercialização de produtos perigosos.
Aplicação aérea de agrotóxicos Fonte: http://www.envolverde.com.br/ |
O uso excessivo de agrotóxicos no Brasil é fruto da ação de empresas transnacionais que, enfrentando grandes restrições nos seus países de origem, redirecionam seus investimentos para países nos quais conseguem impor o consumo de seus produtos. Nosso país adota políticas que favorecem essa prática. O governo federal concede isenções e reduções tributárias a vários produtos utilizados como “defensivos” agrícolas, inclusive aqueles altamente perigosos, como o já citado endossulfan e o metamidofós, como forma de fomentar a agricultura. Tal política é um grande equívoco, pois leva a sociedade a financiar seu próprio envenenamento. Enquanto o governo implementa políticas extremamente tímidas de incentivo à agricultura orgânica, com parcos recursos destinados à área, subsidia pesadamente a agricultura envenenada com desoneração tributária. Os produtos orgânicos já são naturalmente menos competitivos e os incentivos tributários aos agrotóxicos os tornam ainda mais caros quando comparados aos produtos convencionais. Além da renúncia tributária sobre os agrotóxicos, o governo se onera adicionalmente com os gastos do sistema público de saúde direcionados ao tratamento de doenças causadas pelo envenenamento a que estão sujeitos trabalhadores rurais e consumidores.
As pessoas acreditam que, ao adquirirem hábitos alimentares que privilegiem a ingestão de vegetais, estão trabalhando a favor de sua saúde e qualidade de vida. Isso deveria ser verdade se não fosse a quantidade de veneno existente em nossos vegetais. Não há agrotóxico seguro. Os seres vivos são muito semelhantes, em especial os animais. Se um princípio ativo é prejudicial a um inseto considerado praga agrícola, ele também será prejudicial ao ser humano. A diferença é apenas de escala. Se o agrotóxico mata uma lagarta por meio de processos bioquímicos que interferem negativamente em seu metabolismo, provocará o mesmo efeito ou efeito muito parecido em um humano, com a diferença de não levar à morte instantânea devido à dosagem relativa à massa corporal da pessoa, mas poderá provocar doenças crônicas. Análises têm encontrado resíduos de agrotóxicos em secreções e tecidos humanos em todo o país. Há casos de altas dosagens de agrotóxicos em leite humano. Taxas altas desses produtos no organismo estão relacionados à maior incidência de câncer, déficit de atenção, problemas neurológicos, disfunções glandulares, infertilidade, malformação em fetos e mutagênese, podendo em muitos casos reduzir consideravelmente o tempo e a qualidade de vida do afetado.
Os efeitos dos agrotóxicos não se restringem à saúde humana. Diversos impactos ambientais são causados pelo uso excessivo e inadequado desses produtos químicos. Sua aplicação contamina o solo e a infiltração leva o produto até os aquíferos, que muitas vezes são utilizados no abastecimento humano. Aviões são utilizados para espalhar o produto na lavoura e essa forma de aplicação promove a dispersão além dos limites da cultura que se deseja “proteger”. A biota é extremamente afetada. Há um desequilíbrio ecológico causado pela eliminação de algumas espécies. Espécimes resistentes permanecem e propiciam o surgimento de populações de pragas imunes à dosagem aplicada, dando início a um círculo vicioso que leva à aplicação de dosagens cada vez maiores e de produtos cada vez mais agressivos. O processo de bioacumulação dissemina o veneno pela cadeia trófica e assim seus efeitos atingem uma magnitude muito grande. As pessoas e os animais podem se contaminar pela ingestão de organismos que concentram grandes quantidades de resíduos químicos, como por exemplo, as aves que ingerem insetos contaminados. Os ambientes aquáticos (rios, lagos, mar) acabam concentrando grande parte da poluição química, pois a drenagem natural faz com que a água contaminada escoe até atingir os corpos hídricos. Como a pesquisa da ANVISA é focada apenas nos produtos frequentes na dieta humana, não há como calcular o impacto causado pelas grandes monoculturas de soja e cana-de-açúcar. Certamente essas duas lavouras contribuem muito para a poluição ambiental causada por agrotóxicos, devido à extensão da área que ocupam.
Quando da introdução dos organismos geneticamente modificados na agricultura brasileira alardeou-se que um dos grandes benefícios dos transgênicos seria a redução no uso dos agrotóxicos. O que ocorreu foi exatamente o contrário. A indústria dos transgênicos em geral faz parte da mesma cadeia produtiva dos agrotóxicos e tem direcionado seus esforços apenas ao aumento da produtividade e à resistência a herbicidas. No caso dos herbicidas, com o desenvolvimento de variedades geneticamente resistentes, o uso do glifosfato explodiu.
Urge alterar completamente a política brasileira de agrotóxicos. É necessário eliminar incentivos que estimulem o aumento na utilização de produtos tóxicos e direcionar estes incentivos para a agricultura orgânica. O fortalecimento das instituições reguladoras é essencial. Ainda que seja louvável a atitude da ANVISA em divulgar anualmente os níveis de contaminação, é injusto jogar a responsabilidade apenas no consumidor. A fiscalização do uso de agrotóxicos é quase inexistente. IBAMA e ANVISA atuam na aprovação e registro dos produtos, mas não têm condições de acompanhar adequadamente o mercado e o contrabando de substâncias proibidas. Os processos de banimento são morosos e concedem prazos de adaptação muito longos, privilegiando o interesse da indústria em detrimento do interesse público. A justiça deveria responsabilizar os fabricantes pelos danos à saúde e ao meio ambiente causados pelos agrotóxicos. A situação dos alimentos contaminados é muito pior do que o caso da indústria do tabaco, pois na questão dos agrotóxicos, os consumidores consomem produtos inadequados sem saber que estão se envenenando.
Paralelamente ao incremento da fiscalização e da implantação de mecanismos econômicos de desestímulo ao uso de agrotóxicos, deveria haver um trabalho de educação da população. A opção por produtos grandes, vistosos, sem defeitos, por aqueles de clima diverso do nosso ou ainda por produtos fora de época é fator que estimula o mercado a usar mais agrotóxicos, colocando o consumidor em risco maior. A reação dos vegetais ao ataque de outros organismos pode se manifestar na forma de uma pequena deformidade do fruto ou outra parte comestível. Insetos podem causar pequenos danos na aparência dos produtos sem, contudo, prejudicar sua qualidade. Vegetais cultivados fora de seu clima ou época ideal ficam mais suscetíveis aos ataques de organismos prejudiciais, incentivando os produtores ao uso de substâncias químicas nocivas. O consumidor bem orientado aprenderá a não valorizar apenas a aparência e a optar por produtos que causem menos impacto ao meio ambiente e à sua saúde, o que não pode levar à omissão do Estado em cumprir o seu papel regulador, impedindo que o lucro de poucos se transforme na doença de muitos.
Divulgação ANVISA |
Excelente post Joaquim e serve de alerta importante para todos nós. Penso que esse problema decorre da desinformação dos consumidores, da influência da mídia em criar padrões de consumo e da ausência de responsabilização civel e criminal, por parte de nossas instituições, junto as pessoas e empresas que extrapolam no uso de agrotóxicos. Quem sabe um dia, o INSS, assim como deu início a ações de indenização junto aos causadores de acidentes de transito, a fim de que reparem o estrago à sociedade e ao erário, alcancem também a indústria dos venenos agrícolas.
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