Por Joaquim Maia Neto
Experimente, só por um dia, ir ao trabalho a pé, de ônibus ou de bicicleta. Desligar o ar condicionado e abrir as janelas. Não produzir lixo, apenas em um único dia.
Experimente não usar remédio para aquele probleminha de saúde que pode sarar sozinho com um ou dois dias a mais. Ficar uma semana sem ler e-mail, assistir televisão e acessar redes sociais. Um dia sem celular.
Tente tomar banho frio num dia quente. Doar uma roupa que você ainda use e goste. Ficar um ano, ou seis meses, sem comprar roupas, eletrodomésticos, produtos tecnológicos ou qualquer coisa que não seja extremamente necessária ou básica para sua sobrevivência.
Escolha um dia para tomar vento no rosto ou chuva nos cabelos sem se preocupar com o penteado. Para se vestir sem pensar no que os outros irão achar de você. Para não fazer coisas das quais não gosta. Apenas num único dia.
Mude o caminho habitual para ir ao trabalho. Puxe assunto com alguém que você nunca conversou. Dispense a empregada e faça o serviço doméstico. Só por um dia.
Fique um dia sem usar energia elétrica, aproveite e durma cedo. Se não conseguir fazer em casa, vá a um lugar onde isso seja mais fácil, como numa propriedade rural não eletrificada (o que está cada vez mais difícil de encontrar). Faça um trabalho voluntário. Pinte uma tela ou faça qualquer outro trabalho artístico, só uma vez.
Fique descalço por um dia. Escolha um feriado para isso. Escreva uma carta a alguém. Daquelas antigas mesmo, escritas a mão e enviadas pelo correio. Vá a um hospital, presídio, asilo, algum desses lugares onde há pessoas sofrendo, e fique lá por algumas horas, conversando com alguém. Basta uma vez.
Plante em casa a verdura que você mais gosta e cuide dela, até a colheita. Não precisa ser uma horta, apenas uma verdura. E coma-a, claro. Existe algo que você já pensou em parar de consumir? Carne, café, refrigerante, algum alimento artificial ou que você acha que pode te fazer mal? Fique um mês sem isso. Há algo bom que você tenha muita vontade de fazer, mas tem medo? Crie coragem, procure alguém para te ajudar e faça junto.
Nas próximas férias, escolha um destino não-comercial. Fuja dos roteiros das agências. Escolha uma localidade no mapa, de preferência pequena, no interior, e explore o que houver por lá. Se puder, leve pouca bagagem. Se ofereça para dar uma palestra na escola do seu filho, sobre algo que você faz e gosta. Não se preocupe caso não esteja acostumado a falar em público. São apenas crianças. Acampe, durante dois ou três dias. Pode ser perto de onde você mora.
Combine com as crianças de passar quinze dias brincando apenas com brinquedos que não precisam ser ligados na tomada. Há várias opções: pipa, pião, bolinha de gude, amarelinha, pular corda, bambolê, futebol de botão, bafo, pique esconde, carrinho de rolimã. Você ainda se lembra de algum desses brinquedos ou brincadeiras? Por uma semana, assuma algum afazer que não é o seu. Se sua companheira ou companheiro é quem leva as crianças para a escola, passe a fazê-lo durante esse tempo. Se não é você quem lava a louça, faça-o nesses dias. Escolha um hobby e desenvolva-o. Pode ser aquarismo, observação de aves, artesanato, carpintaria, escrita, culinária, de preferência um que não obrigue gastar muito dinheiro.
Procure consertar, com suas próprias mãos, algo que tenha quebrado na sua casa. Leia um livro que não tenha nada a ver com seu trabalho. Fique um mês sem ir ao shopping. Há restaurantes, lojas e até cinemas de rua. Estes últimos são cada vez mais raros, mas ainda existem em muitas cidades.
Passe mais tempo com a família. Procure marcar um encontro presencial com algum de seus amigos do Facebook ou Orkut, de preferência um que você não encontra há muito tempo. Volte ao lugar onde passou a infância e passe algum tempo relembrando aquele tempo sem se preocupar com outras coisas a fazer.
Pode ser que você não consiga, não queira ou não possa fazer a maioria dessas coisas. Algumas delas certamente você irá querer fazer. Talvez uma que não esteja entre as citadas neste texto. Nem tudo vai dar certo, aliás, algumas dessas experiências podem se tornar um fracasso. Não faz mal. O importante é que podemos vivenciar situações nas quais iremos perceber que não necessitamos de coisas que, num primeiro momento, nos parecem essenciais. Veremos que a vida pode ser mais simples do que pensamos. Que não precisamos de tanto dinheiro ou de gastar tanto e que há coisas gratuitas que valem muito mais do que outras que são caras e complexas.
Muitas vezes nos tornamos escravos de um sistema que nos faz querer cada vez mais dinheiro, que será gasto cada vez mais. Que nos tira o tempo daquilo que realmente importa e que nos manipula a viver de acordo com o que é bom para o mercado e não necessariamente para nós. Adotamos modelos insustentáveis, degradamos o meio ambiente, nossa saúde e nossas relações familiares e sociais sem que percebamos. Só há um meio de romper com isso: tentando fazer diferente, pelo menos uma vez. Sei que se você tentar verá que muito do que é sugerido pode ser feito mais do que uma única vez. Poderá se tornar corriqueiro. A gaiola sempre está aberta e lá fora a comida é bem melhor, mas se não a vermos, poderemos passar a vida toda sem voar.