Por Joaquim Maia Neto
Em meados de 1982 a Rede Globo exibiu um documentário, produzido nos EUA dois anos antes, que viria a influenciar milhares de jovens pelo Brasil afora, como fez em outras partes do mundo no qual foi exibido. “Cosmos”, uma série em 13 capítulos produzida e apresentada pelo brilhante astrônomo Carl Sagan, foi uma exitosa produção que popularizou o conhecimento astronômico, até então inacessível para o público leigo.
À época não eram comuns os documentários que hoje pipocam em diversos canais fechados e também na TV aberta. Para um garoto de dez anos como eu era muito difícil ter acesso a informações científicas. Não havia internet. O mundo era muito diferente.
Aquela série abriu, para os garotos da minha idade, uma janela voltada a um universo muito mais amplo do que aquele que os nossos sentidos poderiam nos mostrar. O talento comunicativo e a didática de Sagan tornavam fácil o entendimento básico de como é o Universo e maravilhavam o espectador defrontado com a vastidão cósmica.
A partir de “Cosmos” eu comecei a ver o mundo de outra maneira e acredito que isso aconteceu com muita gente. Desde então, cada vez que olhava o céu só conseguia pensar em como somos pequenos diante da imensidão de tudo o que existe além do nosso planeta. A consciência de quão inóspito é o ambiente fora da nossa esfera azul leva à reflexão de que não temos outro lugar. Se continuarmos agredindo o planeta a ponto de degradar as condições que dão sustentação à vida, não teremos para onde correr.
Imagem da Sonda Voyager 1 mostrando a Terra, a 6,4 bilhões de Km, como um pálido ponto azul |
Em 1990 a sonda espacial Voyager 1, no final de sua peregrinação pelo Universo, tirou uma fotografia da Terra a uma distância de 6,4 bilhões de quilômetros. Nosso planeta aparece como um pequeno ponto pálido em meio a um fundo pontilhado por astros distantes. Essa imagem levou Carl Sagan a fazer muitas reflexões a respeito da nossa existência, que foram compiladas no livro “Pálido Ponto Azul: uma visão do futuro da humanidade no espaço”, publicado em 1994.
Não vou aqui dizer o que Sagan já disse, até porque eu não poderia nem mesmo me aproximar da maneira emocionante com a qual ele escrevia e debatia um assunto aparentemente tão técnico com uma linguagem bem humorada e empolgante. O vídeo abaixo é uma pequena síntese do que significou para Sagan aquela simples imagem da Terra, muito diferente das que nos habituamos a ver.
Não há como não sentir um frio na espinha, um receio, certa inquietação ao saber que somos praticamente irrelevantes diante da grandeza do Universo. O que são as nações diante desse contexto? Por que há líderes que cometem atrocidades para dominar esse pontinho quase imperceptível, ou uma fração dele? Para que serve nossa arrogância? Somos algo mais do que poeira estelar? Há alguém nos observando, olhando por nós, preocupado conosco? Tudo aquilo a que damos valor, as pessoas que amamos ou não gostamos, o que temos ou o que desejamos, nossos sonhos, nós mesmos, tudo está nesse minúsculo ponto e a 6,4 bilhões de quilômetros não é possível ver nada disso. Na imagem, não há qualquer vestígio da nossa existência.
A história da humanidade, bilhões de anos de evolução biológica, guerras, descobertas científicas, tragédias, tudo aconteceu numa minúscula partícula que vaga em meio a uma infinidade de planetas, estrelas, energia, gás, etc. Todos os que um dia conhecemos ou viremos a conhecer fizeram desse pequeníssimo mundo seu lar. Um torrão de rocha e metal, quase imperceptível é onde estamos confinados e é tudo o que temos para compartilhar com 7 bilhões de pessoas e todos os outros seres vivos que aqui estão.
Deve haver alguém em algum outro grãozinho desses muitos que, assim como a Terra, estão em algum canto do Universo, mas isso não importa. O fato é que só temos o nosso ponto pálido e temos que cuidar dele, mantendo-o habitável, confortável e justo até o dia em que nossa espécie deixar de existir, o que certamente ocorrerá muito antes que este mundo seja engolido pela estrela que nos fornece a energia vital. Essa é uma das lições da imagem da Voyager.
A astronomia é uma lição de humildade que Carl Sagan conseguiu levar para além do mundo acadêmico. Nada justifica agir como estamos agindo. Não há ser humano que possa ser considerado melhor que outro. Somos infinitamente pequenos e efêmeros diante do tamanho e do tempo de existência do cosmo ao qual pertencemos. Verdadeiramente um pó, organicamente estruturado pelo curto tempo de existência de nossa vida física.