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domingo, 29 de abril de 2012

O descobrimento florestal do Brasil*

Por Joaquim Maia Neto
Há poucos dias comemoramos o descobrimento do Brasil. Há 512 anos os portugueses aqui chegaram e iniciaram a exploração dos recursos naturais. Não que os índios que aqui habitavam também não o fizessem, mas a exploração não tinha a escala estabelecida pelos europeus. Podemos dizer que são 512 anos de desmatamento. A primeira vítima foi a Mata Atlântica, primeira formação vegetal no caminho dos colonizadores, já que entraram pelo litoral. Como foi a primeira, sofreu por mais tempo e hoje é o bioma mais ameaçado.

Hoje, nós brasileiros, membros de um Estado independente, estamos fazendo muito pior que os portugueses. Na última quarta-feira nossos parlamentares decidiram acabar com o Código Florestal Brasileiro, a lei que protege as florestas nacionais e que é fruto de uma evolução na legislação ambiental que remonta ao período colonial. Quando o Brasil foi descoberto, já existiam leis de proteção ambiental na Coroa que foram aplicadas à colônia, mas diante da nossa biodiversidade, os portugueses, apesar de exploradores, se preocuparam em racionalizar o uso dos recursos florestais.
Em 1797 a Coroa baixou o primeiro “Código Florestal”, na realidade um regulamento de exploração das florestas brasileiras. O seu descumprimento implicava a aplicação de duras penas aos infratores. Além de pagar multa em dinheiro, eram degredados da comarca por dois anos. Em 1800 uma Carta Régia determinava a conservação de espécies florestais de interesse da Coroa. Para fiscalizar o seu cumprimento e aplicar a lei foram criados o cargo de “Juiz Conservador” e uma “Patrulha Montada”, que foi, de fato, a primeira “Polícia Ambiental” brasileira. Em 1821 veio a primeira legislação sobre “Reserva Legal”. Em todas as terras vendidas e sesmarias doadas, um sexto da área ficava reservada aos “matos e arvoredos”.
Nossos deputados querem nos roubar o direito ao meio ambiente equilibrado. Querem anistiar desmatadores, acabar com a reserva legal em muitas propriedades e liberar novos desmatamentos. Já retiraram, junto com o governo, muito poder do IBAMA, nossa “polícia ambiental” federal. Ou seja, estão desmontando o que começou a ser construído no Brasil colonial. Com tantas mazelas que acometem o país, os parlamentares estão preocupados apenas em acabar com uma legislação ambiental que foi construída durante séculos.
Nossas terras estão sendo descobertas novamente, agora pelos latifundiários com a ajuda dos deputados, mas de outra maneira. A cobertura florestal está sendo arrancada junto com a nossa biodiversidade e o nosso futuro. Só que desta vez não são estrangeiros exploradores que se prestam a esse papel, mas nossos próprios representantes, que também podem estar a serviço de interesses alheios ao da nação.
Os cidadãos brasileiros não aceitam isso. No Dia do Trabalho, em várias cidades brasileiras as pessoas se manifestarão contra as alterações aprovadas no Código Florestal. Pedirão à presidente Dilma Rousseff que vete integralmente este absurdo cometido por deputados que há muito não representam o povo. Gritarão para que todos ouçam aquilo que as pesquisas de opinião já dizem há muito tempo. O Brasil não quer esse Código proposto pelos ruralistas que só atende aos interesses do grande capital e prejudicará as presentes e futuras gerações no seu sagrado direito à vida, ao equilíbrio ambiental, a um clima adequado, à conservação das águas e das espécies. O falso desenvolvimento trazido pelo agronegócio devastador tem uma única face: a da degradação, da exploração do trabalhador rural, do trabalho escravo, da dependência de sementes transgênicas e do envenenamento dos alimentos pelos agrotóxicos.
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*Adaptado de artigo publicado originalmente no site da  Regional Latinoamericana de la Unión Internacional de Trabajadores de la Alimentación, Agrícolas, Hoteles, Restaurantes, Tabaco y Afines (Rel-UITA), antes da aprovação do Código - http://www6.rel-uita.org/agricultura/ambiente/deforestacion/descubrimiento_agroforestal_de_brasil-por.htm


domingo, 22 de abril de 2012

O Código Florestal virou instrumento de barganha*

Por Joaquim Maia Neto

A polêmica discussão sobre as alterações no Código Florestal Brasileiro continua a mobilizar a sociedade e o parlamento. É um assunto cujo interesse extrapola as fronteiras nacionais, já que no atual contexto de mudanças climáticas globais o mundo todo está atento aos problemas que possam agravar o aquecimento do planeta, e entre esses problemas o desmatamento merece destaque.

A proposta de alteração do Código encontra-se novamente em tramitação na Câmara dos Deputados, que já tinha aprovado um texto no ano passado. Como esse texto foi alterado pelo Senado Federal, as regras constitucionais determinam uma nova apreciação pela Câmara.

Há uma forte pressão do setor ruralista para que a proposta seja aprovada o quanto antes. Com uma grande representação no Congresso Nacional, alcançada por meio de negociatas e abuso de poder econômico, a chamada bancada ruralista quer que a legislação ambiental seja flexibilizada a qualquer custo para livrar os proprietários rurais das punições pelo descumprimento da lei. Leia mais...

Lea el artículo completo en español.

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*Publicado originalmente no site da  Regional Latinoamericana de la Unión Internacional de Trabajadores de la Alimentación, Agrícolas, Hoteles, Restaurantes, Tabaco y Afines (Rel-UITA) - http://www.rel-uita.org


domingo, 15 de abril de 2012

Extinção é para sempre

Por Joaquim Maia Neto
A extinção de espécies é um fenômeno natural, inerente à evolução biológica, mas foi descoberta antes da consolidação da teoria evolutiva. Foi a partir dos trabalhos do naturalista francês Georges Cuvier, realizados no final do século XVIII com fósseis de animais aparentados aos atuais elefantes, que a comunidade científica aceitou o fato de que as espécies se extinguem.
Hoje em dia se sabe que todas as espécies um dia desaparecerão. Os motivos das extinções são vários, como mudanças climáticas, catástrofes naturais, aparecimento de espécies mais adaptadas a um determinado ambiente, entre outros.
As taxas de extinção durante a história da vida na Terra não são constantes. A paleontologia demonstra que ao longo do tempo geológico existiram picos de redução na biodiversidade, motivados por algum fator ambiental. A ciência ainda discute as causas das extinções em massa que ocorreram no nosso planeta e, entre as explicações mais debatidas estão as glaciações, movimentações de placas tectônicas em larga escala, redução da quantidade de oxigênio dissolvido nos mares e grandes erupções vulcânicas. O fenômeno mais conhecido pelo público em geral é a extinção dos dinossauros que provavelmente foi causada por uma grande alteração climática no planeta, que seria consequência da colisão de um gigantesco asteróide com a Terra. 
Cabra-das-cavernas
(Myotragus balearicus)
fonte: http://www.io9.com/

Outro episódio de extinção em massa que passou a ser conhecido pelo grande público foi o desaparecimento dos grandes mamíferos ao final da última glaciação, que ocorreu entre 9 e 15 mil anos atrás. Animais fantásticos como a cabra-das-cavernas, o mamute, o rinoceronte-lanoso e a preguiça-gigante deixaram de existir. Essas extinções seriam o início do que se chama de “Extinção em Massa do Holoceno” que estaria acontecendo até os dias atuais.
Para que o entendimento das extinções em massa traga lições voltadas à conservação da biodiversidade, convém que aquelas ocorridas no final da última glaciação sejam tratadas separadamente do atual pico de extermínio de espécies. Isso porque provavelmente as extinções dos grandes mamíferos do gelo aconteceram devido a causas naturais, apesar de alguns autores a associarem à caça empreendida por populações humanas. As atuais são, sem dúvida, frutos da ação degradadora do homem sobre a natureza.
Hoje as espécies estão desaparecendo principalmente devido à destruição do seu hábitat, à introdução de espécies invasoras nos ambientes e ao aquecimento do planeta causado pela emissão de gases do efeito estufa pelas atividades humanas. De 1987 até 2007 foram oficialmente catalogadas 784 extinções, porém sabemos que esse número é muitíssimo subestimado, pois um número muito pequeno das espécies desaparecidas é efetivamente detectado. Os cientistas acreditam que estamos passando por um drástico período de extinção em massa. Estima-se que no último século tenham se perdido entre 20 mil e dois milhões de espécies e que a taxa atual de extinção  chegue a 140 mil espécies por ano. Cada hectare de floresta destruída ou cada corpo hídrico poluído pode levar ao fim dezenas de espécies, sendo que algumas delas podem ser desconhecidas pela ciência. Pequenos peixes, insetos e outros organismos de tamanho reduzido, que vivem neste planeta há milhares de anos, desaparecem sem que tenham sido conhecidos pela humanidade. O ritmo atual de destruição da natureza está provocando uma das maiores perdas de biodiversidade ocorridas desde o início da vida na Terra.
Na medida em que a população humana aumenta, o número de espécies diminui. Somos competidores, consumidores e predadores, com grande vantagem sobre as demais formas de vida, que não conseguem sobreviver a não ser que usemos nossa inteligência para regular nossa própria demanda pela utilização dos recursos naturais.
Não é de hoje que desrespeitamos as demais criaturas. Até muito recentemente espécies foram extintas pela perseguição implacável empreendida pelo homem até o último exemplar. Uma verdadeira demonstração de barbárie que deveria envergonhar qualquer um que se identifica como humano. Exemplos infelizmente são fartos.
O pombo-passageiro (Ectopistes migratorius) foi a ave mais abundante do planeta. Sua população chegou a cinco bilhões de indivíduos apenas nos EUA. Há relatos de bandos com centenas de quilômetros de extensão que levavam vários dias para atravessar uma região. Caçados incasavelmente para alimentação humana e animal, foram sendo dizimados muito além do que sua capacidade reprodutiva permitia fazer para a reposição das populações. Registros históricos indicam que quase todos os indivíduos de um dos últimos bandos, com cerca de 250 mil espécimes, foram mortos numa única caçada em 1896. O último indivíduo em estado selvagem foi morto em Ohio em 1900 e o último exemplar cativo, uma fêmea chamada Martha, morreu no Zoológico de Cincinnati em 1914.
Um tilacino caçado em 1869
Fonte: Wikipedia
O tigre-da-tasmânia (Thylacinus cynocephalus), também chamado de tilacino, era um grande e belo marsupial predador, nativo da Austrália. De tigre só tinha o nome e as listras. Quando da colonização européia os tilacinos já estavam extintos na Austrália continental, mas sobreviviam na Tasmânia. Com a colonização da ilha, os tilacinos passaram a ser considerados uma praga perigosa para os rebanhos de ovelhas. Uma foto de um espécime predando uma galinha foi amplamente divulgada e trouxe ao animal a fama de ladrão. O governo passou a oferecer recompensas em dinheiro para cada cabeça de tilacino abatido e isso causou um enorme declínio em suas populações. A caça, juntamente com a introdução de cães no seu ambiente, doenças de animais domésticos, a extinção de suas presas e a destruição do seu hábitat o levaram a extinção. O último animal abatido foi morto por um fazendeiro em 1930 para proteger suas galinhas. O último tilacino vivente foi capturado em 1933 e enviado ao Zoológico de Hobart, na Tasmânia, onde morreu em 1936 por negligência dos tratadores.
O Brasil também tem seus representantes entre as espécies recentemente extintas. É o caso da arara-azul-pequena (Anodorhynchus glaucus), que habitou a região dos Pampas e as baicas dos rios Paraná e Paraguai. O último espécime conhecido morreu em 1912 no zoológico de Londres. Caça e captura foram as causas de seu desaparecimento.
Golfinho-do-yang-tsé
Fonte:
 http://www.saudeanimal.com.br/
Muitos outros exemplos de extinções recentes de origem antrópica podem ser citados, como o arau-gigante (Pinguinus impennis), uma ave ártica não voadora, caçada até a extinção, em 1844, devido à demanda por sua carne, gordura, ovos e penas para adorno, ou ainda o golfinho-do-yang-tsé (Lipotes vexillifer), um cetáceo chinês declarado extinto na natureza em 2007, vítima da poluição, navegação excessiva, caça e construção de hidrelétricas no rio que era seu hábitat.
Tantos outros habitantes desse nosso pequeno planeta estão à beira da extinção, simplesmente porque não aprendemos a conviver harmoniosamente com eles. Podemos citar a baleia-franca, o crocodilo-chinês, o rinoceronte-negro, o mico-leão-dourado e o tigre, sem falar das espécies vegetais.
Recentemente a potencial extinção de uma espécie endêmica de bagre que poderia desaparecer como consequência da construção de uma usina hidrelétrica no Brasil foi tratada com desdém pelo mais alto mandatário brasileiro, que considerou à época que um “bagrinho não poderia travar o desenvolvimento do país”. Lamentavelmente o autor da frase foi apoiado por grande parte da população e até por parte da mídia que, ao mesmo tempo em que “se preocupa” com a iminente extinção do panda-gigante, desconsidera que todas as espécies são intrinsecamente importantes pelo simples fato de existirem.
Não bastasse o valor intrínseco de cada espécie, sua importância reside ainda no fato de que a natureza é como uma pirâmide construída de pequenos blocos. Quando alguns desses blocos são retirados a estrutura desmorona. Se uma espécie animal é dizimada, por exemplo, pela conversão em pastagem da floresta na qual vivia, isso representa uma verdadeira catástrofe para o equilíbrio natural.
A vida, qualquer que seja ela, deve ser vista como algo sagrado. É preciso que se difunda a noção do direito de existência de todas as espécies que co-habitam o planeta conosco. A visão antropocêntrica e utilitarista com a qual olhamos para a natureza é a responsável pelo estado crítico em que deixamos o ambiente. Este planeta não é apenas nosso. É o lar de bilhões de seres, sejam eles microorganismos, plantas, animais ou fungos, que assim como nós não têm outro lugar para habitar neste imenso universo. Se não tivermos a capacidade de entender isso e de garantir a vida dos nossos companheiros de moradia, iremos indubitavelmente antecipar em muito a nossa própria extinção.

domingo, 8 de abril de 2012

Sobre a necessidade de uma nova Páscoa

Por Joaquim Maia Neto

Deusa Eostre
http://www.cantinhodosdeuses.blogspot.com/
Muitas pessoas acreditam que a Páscoa é uma data de origem cristã, dada a associação que o cristianismo faz entre essa data e a ressurreição de Jesus. O que poucos sabem é que pode existir uma estreita relação entre a Páscoa cristã e comemorações de origem pagã existentes desde muito antes de Cristo, ligadas à relação do homem com a natureza.
Nas mitologias anglo-saxônica e nórdica cultuavam-se divindades femininas relacionadas à renovação da primavera e à fertilidade. A palavra “páscoa”, no idioma inglês (Easter) e no alemão (Ostern), deriva do nome de Eostre ou Ostera, a deusa da fertilidade e do renascimento. Para os antigos povos do hemisfério norte a primavera era um momento de muita alegria e esperança, motivo de comemoração após o enfrentamento dos rigores do inverno, durante o qual a luta pela sobrevivência era uma tarefa árdua. A fertilidade era muito valorizada, pois era o que garantia a sobrevivência da espécie, do clã, do grupo social, num contexto no qual parte da descendência sequer chegaria à idade adulta devido às dificuldades para “enfrentar a natureza”. Havia celebrações em homenagem à Eostre coincidindo com o Equinócio de Primavera.
Os primeiros relatos acerca das sociedades seminômades que viriam a constituir o povo hebreu, formadas por pastores que se deslocavam pelo Oriente Médio, demonstram a prática de rituais de celebração da primavera, que à época era considerada como o início do ano. Após a “morte” durante o inverno, a natureza se renovava com a chegada da nova estação e os pastores imolavam um animal de seu rebanho em oferecimento às divindades. O objetivo do sacrifício era pedir proteção ao rebanho, afastar espíritos malignos e agradecer pela fertilidade. Há divergências entre historiadores quanto à data desses primeiro relatos, girando entre 2000 e 1200 a.C. Existem questionamentos sobre a existência de vínculo histórico entre os rituais hebreus e os cultos à Eostre. Após a adoção do monoteísmo, durante o período dos patriarcas hebreus, os rituais continuaram sendo desenvolvidos em oferecimento ao Deus de Israel.
http://www.paroquiansrainhadapaz.blogspot.com/
O livro do Êxodo, em seu capítulo 12, relata o surgimento da páscoa judaica, quando os rituais de imolação do cordeiro na primavera passaram a ter outra conotação. Na preparação para a fuga da escravidão e a conquista da Terra Prometida, os hebreus transformaram a cerimônia em uma celebração da passagem de uma situação de opressão para uma condição vitoriosa. Aí está a origem do termo que designa a Páscoa nas línguas de origem latina. Páscoa vem do termo hebraico Pessach, que significa “passagem”.
Na época de Cristo a celebração da páscoa era uma tradição entre os judeus. Sendo judeu, Jesus praticava o rito do cordeiro, e a Última Ceia foi uma ceia pascal. Logo após cear com os apóstolos, o Cristo dirigiu-se ao monte das Oliveiras onde foi capturado para dar início à sua Paixão, assumindo o papel do cordeiro pascal. Portanto, o terceiro dia de sua morte, que é o dia em que os cristãos comemoram a páscoa, ocorreu após o dia da páscoa judaica.
O sincretismo entre os rituais pagãos da mitologia anglo-saxônica e as páscoas judaica e cristã levou ao tipo de comemoração que temos hoje, com os símbolos de renascimento e fertilidade que acompanham a imagem de Eostre, que são os ovos e o coelho (originalmente era a lebre). Interessante notar que os símbolos pagãos parecem assumir predominância nos dias atuais, sob a égide da sociedade de consumo. Outra ligação com a celebração pagã é a vinculação da data a um evento natural. A páscoa cristã é celebrada no primeiro domingo posterior à primeira lua cheia após o equinócio de primavera no hemisfério norte (correspondente ao equinócio de outono no hemisfério sul).
Independentemente de qual páscoa se esteja comemorando, a data conduz a uma reflexão sobre mudança. A passagem do rigor do inverno para a fertilidade da primavera, a libertação do jugo infligido aos judeus ou a morte e ressurreição de Jesus Cristo, são exemplos da vida que supera a morte. Renovação, renascimento, libertação, qualquer que seja o termo que se queira utilizar, a páscoa nos remete a uma necessidade de abandono do que é ruim, do que não nos serve, do que traz sofrimento, para que se adote algo novo, bom, útil, saudável e libertador.
É preciso morrer para ressuscitar. É necessário deixar velhos hábitos para assumir novas maneiras de viver. Não há o esplendor da primavera sem a escassez do inverno. Não há o regozijo da liberdade sem o sofrimento da opressão. Não há renovação da vida sem o perecimento do velho.
http://www.adeusainterior.blogspot.com/
A nossa sociedade só irá evoluir para um mundo justo, feliz, solidário e sustentável quando matarmos em nós a injustiça, a tristeza, o egoísmo, a extravagância e o espírito predatório. É urgente um esforço coletivo contra o atual sistema que nos seduz para termos cada vez mais coisas inúteis, ou no mínimo não essenciais. Nossa tendência ao conforto cômodo e descompromissado e aos caprichos perdulários e destruidores da natureza devem morrer na medida em que nasce uma nova humanidade comprometida com o respeito às leis naturais, às quais estamos inexoravelmente subjugados. Apenas a compreensão de que não podemos fugir a essas leis é que nos permitirá alcançar a harmonia mitigadora do sofrimento que precede a passagem. Que venha a tão necessária e esperada Páscoa!

domingo, 1 de abril de 2012

Hora do Planeta: uma oportunidade para o debate

Por Joaquim Maia Neto
Ontem foi realizada a sexta edição da “Hora do Planeta”. O evento, criado pela ONG ambientalista WWF, foi realizado pela primeira vez em 2007 na Austrália e acontece anualmente no último sábado do mês de março.
Durante 60 minutos, entre as 20h30 e as 21h30 no horário local de cada país, cidadãos de todo o mundo são convidados a apagar as luzes como forma de refletir sobre o aquecimento global. Mas qual a relação entre o apagar das luzes e o efeito estufa?
No Brasil há certa dificuldade em se entender essa relação devido às peculiaridades da nossa matriz energética, que é muito diferente quando comparada à média mundial. O gráfico ao lado mostra uma comparação entre a matriz brasileira e a mundial. Enquanto aqui aproximadamente 54,1% da energia utilizada provém da queima de combustíveis fósseis, no mundo a participação desse tipo de energia na matriz chega a 80,3%. Esses percentuais não se referem apenas à energia utilizada para iluminação e nem mesmo apenas à energia elétrica, mas incluem, por exemplo, a energia utilizada nos transportes. Como no Brasil a maior parte da energia elétrica distribuída é proveniente de usinas hidrelétricas, há uma tendência a se ignorar a relação entre iluminação artificial e aquecimento global. Em termos globais, dada a matriz energética mundial, é certo que quanto menos luzes estiverem acesas menos carbono será emitido à atmosfera.
É lógico que uma hora por ano com luzes apagadas não resolverá o problema e nem tampouco irá contribuir em termos percentuais de maneira significativa para a desaceleração do efeito estufa. Mas não é esse o objetivo da hora do planeta. O principal objetivo é fazer com que, por meio de uma ação coordenada mundialmente, pessoas parem o que estão fazendo, saiam da sua rotina e pensem no que pode ser feito para o combate deste que é um dos maiores problemas que a humanidade enfrentará, ou melhor, está enfrentando.
Assim, a crítica quanto à ineficácia da Hora do Planeta sob o aspecto da insignificância da redução de emissões durante estes 60 minutos não procede, pois não é essa a intenção do movimento. Há outras críticas pertinentes que, no meu ponto de vista, não desqualificam a realização do evento. Faço questão de divulgar e participar, pois acho que qualquer ação ambiental, por mínima que seja, ainda que insuficiente, traz algum tipo de resultado positivo, mesmo que seja apenas o despertar em algumas pessoas da reflexão sobre a validade ou não daquela ação. Se a conclusão for pela sua inadequação, ao menos ficará o questionamento sobre o que pode ser feito de maneira mais adequada.
Acho que deveríamos aproveitar a crescente popularização da Hora do Planeta ao longo dos anos para ampliar o seu escopo. Nada impede que em cada localidade o evento seja adaptado às peculiaridades locais. Por exemplo, no Brasil seria interessante que se incluísse, além do apagar das luzes e do desligamento de eletrodomésticos, a não utilização de veículos automotores, pois aqui eles contribuem mais com o efeito estufa do que as luzes. Há localidades brasileiras onde a produção de energia elétrica é feita predominantemente por meio da queima de combustíveis fósseis, mas isso representa um percentual pequeno na realidade do país. Sabemos também que a energia hidrelétrica não é totalmente limpa e que as usinas que geram esse tipo de energia também emitem um pouco de gases do efeito estufa, como metano, por exemplo. Há ainda outros impactos ambientais causados pelas UHEs, mas não há como negar que, no que diz respeito à contribuição ao aquecimento global, elas são melhores do que as termoelétricas movidas a combustíveis fósseis.
Uma importante lição da Hora do Planeta é que não precisamos de toda a energia que estamos consumindo. Nesses sessenta minutos em que ficamos privados de alguns confortos do mundo moderno, percebemos que não foi tão difícil ficar sem alguns deles. Até porque há pouco tempo atrás não os tínhamos. Podemos utilizá-los com menor intensidade, ou ainda dispensá-los, sem que isso nos impeça de viver dignamente. E isso leva a uma reflexão mais profunda. Não são apenas as luzes que precisam ser apagadas. Nosso consumo desenfreado é que precisa urgentemente ser apagado. Nossos padrões atuais são incompatíveis com aquilo que a natureza pode nos oferecer sem se desequilibrar. Não adianta produzir produtos “ecoeficientes” e comprar coisas “ambientalmente corretas” se essas condutas forem utilizadas para acalmar nossas consciências e promover ainda mais consumo.
A crescente demanda por energia e o consequente aumento de emissões de gases do efeito estufa são causados pela lógica capitalista que leva as pessoas a comprar cada vez mais. Se nossos padrões de consumo não mudarem, produzir equipamentos que consomem menos energia, assim como apagar as luzes não serão nada mais do que “enxugar gelo”.