Por Joaquim Maia Neto
O
Governo Federal acaba de anunciar um plano para aumentar em 15% o número de
vagas em cursos de medicina no país. Serão criadas 2415 novas vagas, sendo dois
terços delas em universidades federais e um terço na rede privada. Esta ação
governamental visa reduzir a carência de médicos, aproximando a relação
médico/habitante àquelas de países que se encontram em situação bem melhor que
a do Brasil.
Apesar
de louvável, a atitude do governo sofreu severas críticas do Conselho Federal de
Medicina (CFM). Para o CFM o aumento do número de vagas não representará
melhoria na qualidade do atendimento à saúde da população. O conselho teme que
a expansão do ensino de medicina implique a redução da qualidade dos cursos.
Para o CFM não faltam médicos no Brasil, mas há problemas na distribuição
desses profissionais pelo país devido à falta de incentivo e de condições de
trabalho em regiões menos desenvolvidas.
Fonte: http://fernandageri.blogspot.com.br |
Não
se tem notícia de que o aumento no número de engenheiros tenha reduzido a
qualidade das obras no Brasil, ou que a ampliação das vagas em cursos de
publicidade tenha comprometido a qualidade dos anúncios publicitários. Da mesma
forma não será a expansão dos cursos de medicina que fará a saúde do brasileiro
piorar.
Entre
os argumentos do CFM, talvez o mais frágil seja o de que não faltam médicos no
país. Mesmo nas capitais mais desenvolvidas e nas cidades brasileiras com maior
IDH é comum haver reclamações generalizadas sobre a falta de médicos. O
problema não se restringe à rede pública. Usuários de planos de saúde já estão
acostumados às longas filas de espera para consultas em muitas especialidades.
Para algumas, três meses já é considerado um tempo “normal” para se agendar o
atendimento. Mas não é apenas a observação empírica que derruba o argumento do
suposto número adequado de profissionais. Se no Brasil há profissionais em
número suficiente, estariam os demais países exagerando na formação de seus
médicos, desperdiçando recursos importantes em cursos que formam profissionais
desnecessários? Dados da OCDE e da OMS demonstram que o Brasil está muito aquém
até mesmo de países economicamente menos desenvolvidos. Aqui o número de
médicos por 1000 habitantes é 1,8. Esse número é maior em países como Cuba
(6,4), Grécia (5,4), Rússia (4,4), Bélgica (4), Espanha (3,7), Uruguai (3,7),
Israel (3,6), Portugal (3,5), Argentina (3,1), Austrália (2,8), EUA (2,4),
Japão (2,1) e México (2).
O
plano do Governo ataca também a distribuição dos médicos no país, uma vez que a
maioria das vagas a serem criadas será nas regiões norte e nordeste. Claro que
não é o simples aumento do número de vagas que irá garantir melhoria no sistema
de saúde. Tampouco essa expansão de oferta está necessariamente atrelada à
queda na qualidade. Os Ministérios da Educação e da Saúde devem exercer sua
responsabilidade na avaliação dos cursos e do sistema. A criação de cursos e o
aumento de vagas passam pelo crivo dos conselhos nacionais de educação e de
saúde. Ao invés de reclamar e querer garantir reserva de mercado aos
profissionais em atuação o CFM deveria se preocupar em fiscalizar o exercício
profissional dos médicos.
Infelizmente
são cada vez mais comuns as atitudes questionáveis do ponto de vista ético
praticadas por médicos. Não podemos generalizar, pois há muitos profissionais altamente
comprometidos com sua profissão, mas são muitos os motivos de reclamação por
parte dos usuários dos serviços de saúde. Médicos consagrados recusam novos
pacientes porque já têm uma carteira rentável de clientes. Outros cobram “por
fora” dos usuários de planos de saúde por procedimentos mais complexos. Muitos
médicos se recusam a fazer partos normais para não “perderem” tempo. Há vários
exemplos de servidores médicos que não cumprem sua jornada na rede pública para
privilegiar o atendimento em seus consultórios privados. O combate a estes
problemas por parte do CFM é muito mais efetivo na melhoria do atendimento à
saúde do que o combate à expansão das vagas. Má qualidade na formação dos
profissionais se resolve com uma boa regulação das instituições de ensino,
focada em avaliação e fiscalização.
A
atitude do CFM é típica de uma classe que, apesar de estar se modernizando
rapidamente, adaptando-se à nova realidade social, ainda é bastante
influenciada por uma visão elitista que permeia a profissão. Muitos médicos
ainda se consideram mais importantes do que os demais profissionais. Isso acaba
pautando a atuação dos conselhos de medicina. Até há pouco tempo médicos
poderiam acumular cargos públicos enquanto outros profissionais da saúde não.
Suas jornadas de trabalho são reduzidas. Em geral ganham mais do que outros
profissionais de formação acadêmica equivalente. Insistem em ser chamados de “doutores”
quando têm apenas graduação, apegando-se a uma tradição há muito ultrapassada.
O profissional médico é fundamental para a sociedade e isso deve ser levado em
conta na valorização de sua profissão. Mas não há motivo para que um médico
seja mais valorizado do que um professor em termos de status, remuneração ou
privilégios.
As
ações divulgadas pelo Governo para aumentar o número de médicos no país, atreladas
a um bom controle da qualidade dos cursos, além de atender a uma necessidade da
população, terão efeitos positivos na própria valorização da profissão de
médico. Novos profissionais oxigenarão o setor. Com mais vagas, haverá maior
acesso de camadas menos abastadas da sociedade. Isso contribuirá para “deselitizar”
a profissão e fará com que a população seja melhor atendida em suas demandas. O
MEC está de parabéns ao enfrentar as resistências. O tempo mostrará que essa é uma
atitude correta.
Boa noite Joaquim Maia Neto!
ResponderExcluirSinceramente falando, tenho imenso prazer em ler os seus posts, pois você relata sobre os principais problemas da sociedade através de textos eximiamente escritos e bem pensados. Este que acabei de ler por exemplo, discorre sobre um assunto de suma importância para a sociedade brasileira, e demonstra insatisfações que não são só suas, mas de todos os cidadãos brasileiros, que há muito já estão saturados com a lastimável situação da saúde da população do Brasil.
Concordo sem tirar nem por, com cada uma das suas palavras, pontos e vírgulas.
É muito bom saber que existem outras pessoas além de mim, na sociedade brasileira que não estão satisfeitas com a sua estrutura e com muitos de seus polêmicos aspectos.
Atenciosamente,
Icaro Henrtique.