Por Joaquim Maia Neto
Apesar do notório aumento da
preocupação da sociedade com questões ambientais, incluindo a proteção da fauna
silvestre e o bem-estar animal, ainda há um longo caminho a percorrer no que
diz respeito à convivência harmoniosa entre o homem e a natureza, em particular
o convívio com os animais.
A recente polêmica acerca das
capivaras do Parque da Represa Municipal de São José do Rio Preto ilustra bem a
dificuldade que tem o ser humano, em especial o poder público, em lidar com a
questão. A represa é considerada o cartão postal da cidade. A população de
capivaras que habita o local há muito tempo faz parte da paisagem, tornando-se
uma atração bastante procurada e apreciada por moradores locais e turistas. Há
poucos dias a administração municipal começou a instalar cercas às margens do
espelho d’água, em alguns trechos a menos de um metro, com o intuito de
confinar os animais, sob o argumento de que a medida iria protegê-los contra
acidentes de trânsito causados quando as capivaras transitam pela via pública
que margeia o lago.
A motivação aparentemente nobre para
o cercamento das capivaras esconde um comportamento intolerante e demonstra a
prioridade equivocada de quem faz a gestão ambiental do município. A história
recente de Rio Preto mostra o despreparo de muitos administradores públicos
para lidar com questões ambientais. Em 1972 o então prefeito Adail Vetorazzo
determinou que servidores municipais queimassem as andorinhas com tochas em
pontas de varas de bambu para que as aves deixassem de defecar nos veículos
estacionados na Praça Dom José Marcondes. Embora os milhares de andorinhas que
migravam do hemisfério norte para Rio Preto proporcionassem um belíssimo
espetáculo com suas revoadas de final de tarde no centro da cidade, muitas
outras tentativas de espantá-las foram levadas a cabo pelo poder público
municipal, passando pelo barulho de rojões até o corte arbitrário de árvores
que serviam de local de pouso para as aves. Hoje as andorinhas já não aparecem em Rio Preto e assim os
veículos e praças estão a salvo do cocô dos belos animais. A população não pode
mais contemplar o show da natureza que encantou gerações de riopretenses.
Voltando às capivaras, é lamentável
que a represa seja cercada do modo como a secretaria do meio ambiente está
fazendo. Em 2005 os roedores foram alvo de outra polêmica. A secretaria do meio
ambiente, à época administrada pelo mesmo secretário de agora, estudava retirar
as capivaras da represa, sob o pretexto de que havia uma superpopulação que
colocava as pessoas sob risco de febre maculosa. Técnicos do IBAMA e da UNIRP,
além de representantes da Polícia Ambiental, estudaram a questão concluindo que
não havia nem superpopulação e nem risco de febre maculosa. Passados sete anos,
percebe-se que os técnicos estavam certos, pois não houve caso da doença em Rio Preto.
Munícipes tentando contemplar as capivaras |
O caso das capivaras na cidade é um
grande exemplo de como podemos conviver em harmonia com os animais. As pessoas
se acostumaram a apreciar e respeitar os bichos. É comum ver famílias
fotografando os animais. Não há um único registro de transmissão de doença ou
de ataque em mais de uma década de convívio. Os problemas registrados até o
momento referem-se apenas a atropelamentos de pouquíssimos animais, sendo que a
prefeitura não tem levantamento preciso das ocorrências. O cercamento das
margens da Rodovia BR-153, exigido pelo IBAMA em 2005, atenuou
consideravelmente o problema. No caso da rodovia o cercamento era necessário,
pois se trata de uma via de fluxo rápido. A solução para eventuais
atropelamentos nas vias urbanas passa por uma política de trânsito para o local
que contemple a limitação da velocidade, a sinalização e orientação dos
motoristas e uma fiscalização eficiente. Qual é o problema em se andar a uma
baixa velocidade em um lugar que deveria ser de contemplação e eventualmente
parar o carro para dar passagem aos animais, como ocorre em muitos parques
espalhados pelo mundo?
Como são roedores aquáticos, as
capivaras não ficarão limitadas pela cerca. Impedidas de se alimentar nos
locais cercados a tendência é que elas migrem pela água até outros pontos de
alimentação, podendo causar problemas muito maiores ao ocupar áreas onde as
pessoas não estão acostumadas com suas presenças. A cerca instalada pela
prefeitura, além de ser de extremo mau gosto do ponto de vista estético, rompe
a integração homem/ambiente, transformando a situação em algo parecido com um
zoológico, onde as pessoas são meros espectadores da natureza e não parte dela.
Isso é prejudicial no aspecto educativo e reforça a crença de que temos que
viver apartados do mundo natural, o que é hoje uma das maiores causas dos
problemas ambientais.
Cidadão alimentando os gansos e consequentemente os pombos domésticos, com migalhas de pão |
Não há superpopulação de capivaras
na represa. O que ocorre é que os animais estão acostumados com a presença
humana e, portanto, não fogem. Assim vemos muito mais capivaras na represa do
que em ambientes naturais, onde os bichos se escondem. Ao contrário de outros
animais que aumentam sua população beneficiados por restos de comida, lixo ou
até fornecimento deliberado de alimento por parte das pessoas, como gatos,
cães, pombos e pardais, as capivaras comem gramíneas, que têm sua distribuição
limitada na represa às áreas não edificadas ou pavimentadas. As pessoas
costumam pensar que apenas os predadores são responsáveis pelo controle
populacional de herbívoros, mas a disponibilidade de alimentos é um importante
fator limitante. Assim não há como haver aumento da população acima da
capacidade do ambiente em fornecer alimento. Ninguém leva feixes de capim à
represa para alimentar capivaras e por isso não há um input de alimentos capaz de manter uma população acima da
capacidade suporte do meio.
Pombos domésticos comendo pão fornecido por frequentador da represa |
Ao contrário de se preocupar em
prejudicar as capivaras, que pertencem à fauna nativa, embelezam a represa e ensinam
o homem a ter respeito para com os animais silvestres, a prefeitura deveria
manter guardas ambientais, monitores ou qualquer outro tipo de servidor que
pudesse monitorar a interação das capivaras com as pessoas, evitando eventuais
problemas, mas que agissem principalmente para coibir comportamentos graves que
estão acontecendo à luz do dia sem que qualquer providência seja tomada. Em
algumas horas que estive na represa para fazer as fotos que ilustram este
artigo, observei um senhor distribuindo pães aos patos e gansos, que acabavam
sendo consumidos muito mais pelos nocivos pombos domésticos do que pelas aves
aquáticas. O local também há muito tempo virou ponto de abandono de gatos e
igualmente constatei pessoas distribuindo ração aos felinos, que além de predarem
as aves nativas, transmitem uma infinidade de doenças. Eu pergunto: o que a
municipalidade está fazendo para combater esse problema? Casos de zoonoses
afetando humanos a partir de pombos domésticos e gatos estão fartamente
documentados na cidade, mas o prefeito e o secretário do meio ambiente
priorizam um desnecessário controle da população de capivaras e permitem que as
pessoas sustentem grandes populações de animais nocivos por meio daquele tipo
de boa intenção da qual o inferno está cheio.
Pessoas alimentando gatos no parque da represa |
Após a polêmica instalada, prefeito
e secretário soltaram uma pérola: a provável castração dos machos dominantes.
Ora, o que faz um macho ser dominante no grupo são características que se
manifestam por meio da ação hormonal que será suprimida com a castração. Assim,
o macho deixará de ser dominante. Estudos em populações manejadas de capivara
mostram que a supressão de um macho dominante leva a um caos inicial no grupo
causado pela disputa entre os outros machos em busca do maior posto hierárquico
e da aceitação das fêmeas, que acaba estabilizada com o estabelecimento de um
novo macho dominante. Então o prefeito terá que castrar todos os machos e
consequentemente exterminar as capivaras da represa.
Toda essa demonstração de despreparo
na gestão ambiental de Rio Preto teria sido evitada esse houvesse maior
transparência e democracia na administração. Pelo que se observa em consulta ao
site do Conselho de Meio Ambiente do Município, percebe-se que o mesmo não se
reúne há mais de seis meses. A atuação do colegiado tem sido pífia. Por que o
secretário não consulta a sociedade, representada no conselho, antes de sair
tomando atitudes completamente desprovidas de fundamentação técnica?
Árvores cortadas na margem da rodovia Washington Luís |
A imprensa noticiou no dia de hoje
um total descaso com a proteção dos mananciais da cidade. Os pombos e gatos
proliferam na represa. Árvores são sumariamente suprimidas às margens do Rio
Preto, para dar lugar a um “parque”, e da rodovia Washington Luís, para dar
mais espaço aos carros, alvo de grande preocupação da municipalidade desde
1972, quando foram protegidos do cocô das andorinhas. Mas a prioridade é o combate
às capivaras. Eu seria a favor de uma castração que impedisse a reprodução de
políticos que tomam decisões como essa, ao invés da que visa privar a represa
de um de seus mais belos atrativos.
Patos atravessando rua
Realmente, as pessoas da cultura "moderna" não querem conviver com o cocô das aves, mas não se incomodam com a poluição atmosférica, que esta sim, tem causado mortes no Brasil, segundo a USP.
ResponderExcluirSimilarmente, muitas pessoas nutrem preconceito contra as folhas das árvores que caem no chão, sem que estas causem mal algum.