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domingo, 22 de julho de 2012

Do cocô das andorinhas à prisão das capivaras




Por Joaquim Maia Neto

Apesar do notório aumento da preocupação da sociedade com questões ambientais, incluindo a proteção da fauna silvestre e o bem-estar animal, ainda há um longo caminho a percorrer no que diz respeito à convivência harmoniosa entre o homem e a natureza, em particular o convívio com os animais.


A recente polêmica acerca das capivaras do Parque da Represa Municipal de São José do Rio Preto ilustra bem a dificuldade que tem o ser humano, em especial o poder público, em lidar com a questão. A represa é considerada o cartão postal da cidade. A população de capivaras que habita o local há muito tempo faz parte da paisagem, tornando-se uma atração bastante procurada e apreciada por moradores locais e turistas. Há poucos dias a administração municipal começou a instalar cercas às margens do espelho d’água, em alguns trechos a menos de um metro, com o intuito de confinar os animais, sob o argumento de que a medida iria protegê-los contra acidentes de trânsito causados quando as capivaras transitam pela via pública que margeia o lago.

A motivação aparentemente nobre para o cercamento das capivaras esconde um comportamento intolerante e demonstra a prioridade equivocada de quem faz a gestão ambiental do município. A história recente de Rio Preto mostra o despreparo de muitos administradores públicos para lidar com questões ambientais. Em 1972 o então prefeito Adail Vetorazzo determinou que servidores municipais queimassem as andorinhas com tochas em pontas de varas de bambu para que as aves deixassem de defecar nos veículos estacionados na Praça Dom José Marcondes. Embora os milhares de andorinhas que migravam do hemisfério norte para Rio Preto proporcionassem um belíssimo espetáculo com suas revoadas de final de tarde no centro da cidade, muitas outras tentativas de espantá-las foram levadas a cabo pelo poder público municipal, passando pelo barulho de rojões até o corte arbitrário de árvores que serviam de local de pouso para as aves. Hoje as andorinhas já não aparecem em Rio Preto e assim os veículos e praças estão a salvo do cocô dos belos animais. A população não pode mais contemplar o show da natureza que encantou gerações de riopretenses.

Voltando às capivaras, é lamentável que a represa seja cercada do modo como a secretaria do meio ambiente está fazendo. Em 2005 os roedores foram alvo de outra polêmica. A secretaria do meio ambiente, à época administrada pelo mesmo secretário de agora, estudava retirar as capivaras da represa, sob o pretexto de que havia uma superpopulação que colocava as pessoas sob risco de febre maculosa. Técnicos do IBAMA e da UNIRP, além de representantes da Polícia Ambiental, estudaram a questão concluindo que não havia nem superpopulação e nem risco de febre maculosa. Passados sete anos, percebe-se que os técnicos estavam certos, pois não houve caso da doença em Rio Preto.

Munícipes tentando contemplar as capivaras
O caso das capivaras na cidade é um grande exemplo de como podemos conviver em harmonia com os animais. As pessoas se acostumaram a apreciar e respeitar os bichos. É comum ver famílias fotografando os animais. Não há um único registro de transmissão de doença ou de ataque em mais de uma década de convívio. Os problemas registrados até o momento referem-se apenas a atropelamentos de pouquíssimos animais, sendo que a prefeitura não tem levantamento preciso das ocorrências. O cercamento das margens da Rodovia BR-153, exigido pelo IBAMA em 2005, atenuou consideravelmente o problema. No caso da rodovia o cercamento era necessário, pois se trata de uma via de fluxo rápido. A solução para eventuais atropelamentos nas vias urbanas passa por uma política de trânsito para o local que contemple a limitação da velocidade, a sinalização e orientação dos motoristas e uma fiscalização eficiente. Qual é o problema em se andar a uma baixa velocidade em um lugar que deveria ser de contemplação e eventualmente parar o carro para dar passagem aos animais, como ocorre em muitos parques espalhados pelo mundo?

Como são roedores aquáticos, as capivaras não ficarão limitadas pela cerca. Impedidas de se alimentar nos locais cercados a tendência é que elas migrem pela água até outros pontos de alimentação, podendo causar problemas muito maiores ao ocupar áreas onde as pessoas não estão acostumadas com suas presenças. A cerca instalada pela prefeitura, além de ser de extremo mau gosto do ponto de vista estético, rompe a integração homem/ambiente, transformando a situação em algo parecido com um zoológico, onde as pessoas são meros espectadores da natureza e não parte dela. Isso é prejudicial no aspecto educativo e reforça a crença de que temos que viver apartados do mundo natural, o que é hoje uma das maiores causas dos problemas ambientais.

Cidadão alimentando os gansos e consequentemente
os pombos domésticos, com migalhas de pão
Não há superpopulação de capivaras na represa. O que ocorre é que os animais estão acostumados com a presença humana e, portanto, não fogem. Assim vemos muito mais capivaras na represa do que em ambientes naturais, onde os bichos se escondem. Ao contrário de outros animais que aumentam sua população beneficiados por restos de comida, lixo ou até fornecimento deliberado de alimento por parte das pessoas, como gatos, cães, pombos e pardais, as capivaras comem gramíneas, que têm sua distribuição limitada na represa às áreas não edificadas ou pavimentadas. As pessoas costumam pensar que apenas os predadores são responsáveis pelo controle populacional de herbívoros, mas a disponibilidade de alimentos é um importante fator limitante. Assim não há como haver aumento da população acima da capacidade do ambiente em fornecer alimento. Ninguém leva feixes de capim à represa para alimentar capivaras e por isso não há um input de alimentos capaz de manter uma população acima da capacidade suporte do meio.

Pombos domésticos comendo pão fornecido por
frequentador da represa
Ao contrário de se preocupar em prejudicar as capivaras, que pertencem à fauna nativa, embelezam a represa e ensinam o homem a ter respeito para com os animais silvestres, a prefeitura deveria manter guardas ambientais, monitores ou qualquer outro tipo de servidor que pudesse monitorar a interação das capivaras com as pessoas, evitando eventuais problemas, mas que agissem principalmente para coibir comportamentos graves que estão acontecendo à luz do dia sem que qualquer providência seja tomada. Em algumas horas que estive na represa para fazer as fotos que ilustram este artigo, observei um senhor distribuindo pães aos patos e gansos, que acabavam sendo consumidos muito mais pelos nocivos pombos domésticos do que pelas aves aquáticas. O local também há muito tempo virou ponto de abandono de gatos e igualmente constatei pessoas distribuindo ração aos felinos, que além de predarem as aves nativas, transmitem uma infinidade de doenças. Eu pergunto: o que a municipalidade está fazendo para combater esse problema? Casos de zoonoses afetando humanos a partir de pombos domésticos e gatos estão fartamente documentados na cidade, mas o prefeito e o secretário do meio ambiente priorizam um desnecessário controle da população de capivaras e permitem que as pessoas sustentem grandes populações de animais nocivos por meio daquele tipo de boa intenção da qual o inferno está cheio.

Pessoas alimentando gatos no parque da
represa

Após a polêmica instalada, prefeito e secretário soltaram uma pérola: a provável castração dos machos dominantes. Ora, o que faz um macho ser dominante no grupo são características que se manifestam por meio da ação hormonal que será suprimida com a castração. Assim, o macho deixará de ser dominante. Estudos em populações manejadas de capivara mostram que a supressão de um macho dominante leva a um caos inicial no grupo causado pela disputa entre os outros machos em busca do maior posto hierárquico e da aceitação das fêmeas, que acaba estabilizada com o estabelecimento de um novo macho dominante. Então o prefeito terá que castrar todos os machos e consequentemente exterminar as capivaras da represa.

Toda essa demonstração de despreparo na gestão ambiental de Rio Preto teria sido evitada esse houvesse maior transparência e democracia na administração. Pelo que se observa em consulta ao site do Conselho de Meio Ambiente do Município, percebe-se que o mesmo não se reúne há mais de seis meses. A atuação do colegiado tem sido pífia. Por que o secretário não consulta a sociedade, representada no conselho, antes de sair tomando atitudes completamente desprovidas de fundamentação técnica?

Árvores cortadas na margem da rodovia
Washington Luís
A imprensa noticiou no dia de hoje um total descaso com a proteção dos mananciais da cidade. Os pombos e gatos proliferam na represa. Árvores são sumariamente suprimidas às margens do Rio Preto, para dar lugar a um “parque”, e da rodovia Washington Luís, para dar mais espaço aos carros, alvo de grande preocupação da municipalidade desde 1972, quando foram protegidos do cocô das andorinhas. Mas a prioridade é o combate às capivaras. Eu seria a favor de uma castração que impedisse a reprodução de políticos que tomam decisões como essa, ao invés da que visa privar a represa de um de seus mais belos atrativos.


Patos atravessando rua

Um comentário:

  1. Realmente, as pessoas da cultura "moderna" não querem conviver com o cocô das aves, mas não se incomodam com a poluição atmosférica, que esta sim, tem causado mortes no Brasil, segundo a USP.

    Similarmente, muitas pessoas nutrem preconceito contra as folhas das árvores que caem no chão, sem que estas causem mal algum.

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