Por Joaquim Maia Neto
Aniversários
que completam décadas costumam ser mais comemorados. As pessoas parecem ter
predileção por números “redondos”. Devido a essa predileção, importantes
eventos ambientais têm acontecido em anos terminados em “2”, desde a
Conferência sobre Meio Ambiente Humano, realizada pela ONU em Estocolmo, na
Suécia, no ano de 1972. Vinte anos depois de Estocolmo tivemos a Eco 92, no Rio
de Janeiro. Trinta anos depois, a Rio+10, em Johanesburgo. Quarenta anos
depois, a Rio+20, que acabou de acontecer. Mas há um cinquentenário comemorado
neste ano, muitíssimo importante, que muita gente desconhece ou esqueceu. Em
1962 foi publicado nos EUA o livro “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson,
denunciando os malefícios dos agrotóxicos à saúde humana e à vida selvagem. A
publicação do livro foi fundamental para o banimento do DDT nos Estados Unidos,
dez anos depois.
Manifestação durante a Cúpula dos Povos. |
Cinquenta
anos depois do lançamento da obra que é considerada o marco impulsionador do
ambientalismo e da luta contra os agrotóxicos em todo o mundo, o Brasil
comemora o tricampeonato mundial de envenenamento. Segundo um estudo da
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), apresentado durante a Cúpula
dos Povos pela pesquisadora da UFPE, Lia Giraldo da Silva Augusto, a venda de
agrotóxicos no Brasil em 2010 teve um aumento de 190% em relação a 2009. Com
este aumento o Brasil foi, pelo terceiro ano consecutivo, o maior consumidor de
agrotóxicos do planeta, de acordo com dados levantados pela ANVISA. Esse
tricampeonato não tem nada de glorioso. É motivo de vergonha para o país e é
sintomático da realidade do agronegócio brasileiro que não tem nada de
sustentável, ao contrário do que afirma a Confederação Nacional da Agricultura.
O
consumo de agrotóxicos no Brasil chegou ao alarmante número de 5 Kg por
habitante/ano. É muito veneno! Essa situação é fruto de um modelo de
agricultura perverso, que condena a saúde dos trabalhadores rurais, dos consumidores
e dos ecossistemas em benefício do lucro de poucos. A destruição do ambiente
natural torna a produção agrícola cada vez mais dependente dos defensivos
químicos, que por sua vez agravam o desequilíbrio ambiental, formando um
círculo vicioso.
Falta
ao Brasil uma política pública que crie condições para que os pequenos
agricultores possam produzir alimentos sadios para a população, com incentivo à
agricultura familiar e ao respeito à natureza e aos conhecimentos tradicionais.
O montante de recursos aplicados em benefício dos pequenos produtores e da
agricultura orgânica é várias vezes menor do que os incentivos voltados ao
agronegócio, que incluem financiamentos facilitados e redução na tributação,
inclusive dos agrotóxicos.
http://agriculturafamiliarater.blogspot.com.br/ |
O
uso maciço de veneno nas lavouras brasileiras tem sujeitado a população a
doenças diversas, muitas vezes não diagnosticadas. Até mesmo os agrotóxicos de
uso permitido, mesmo quando aplicados nas doses aceitáveis, podem prejudicar a
saúde das pessoas que consomem os produtos nos quais eles foram utilizados. A
situação se torna mais grave porque no Brasil infelizmente ainda é frequente o
uso de substâncias proibidas e a utilização das permitidas em quantidades
superiores às autorizadas. Os problemas que o envenenamento dos alimentos causa
às pessoas variam desde simples irritação até tumores malignos. Na maioria das
vezes não se faz a associação do problema com o consumo de alimentos
contaminados, pois faltam estudos nesse sentido. De que adianta fazermos
campanhas para que as pessoas cuidem melhor de sua saúde, comendo mais
vegetais, se eles estão envenenados?
O
preço dos produtos orgânicos ainda é muito mais caro do que os “convencionais”,
assim chamados aqueles cuja produção utiliza agrotóxicos. As pessoas mais
pobres não têm a opção de comprar um produto mais saudável e justamente elas
têm maior dificuldade de obter atendimento médico, pois dependem do nosso
precário sistema de saúde pública. Configura-se assim uma grande injustiça
social, pois os que menos podem se tratar são os que mais se contaminam.
Horta pública em Todmorden, Reino Unido. |
Pequenas
ações podem ajudar na solução parcial do problema. Uma reportagem recente
exibida na Rede Globo mostrou o caso da cidade de Todmorden, no interior da
Inglaterra, onde espaços públicos foram transformados em hortas socializadas,
onde qualquer um pode plantar e qualquer outro pode colher. Com a iniciativa as
pessoas passaram a ter acesso a vegetais saudáveis para sua alimentação. Isso
pode ser uma solução adequada para cidades pequenas, mas não resolve o problema
da maioria da população que se concentra nos grandes centros urbanos que não
tem como produzir alimentos localmente. A verdadeira solução passa por uma
ruptura do nosso modelo de agricultura e pela implantação de sistemas de
produção mais harmônicos com a natureza. Essa harmonia pode estar na
agricultura familiar, onde o homem trabalha a terra compreendendo o valor da
natureza e dedicando o respeito que ela merece.
Um
bom começo para o Brasil seria estabelecer uma meta de redução no consumo de
agrotóxicos e implantar políticas para alcançar essas metas. Deveríamos ser
campeões de produção alimentos saudáveis ao invés de liderarmos a lista dos
contaminadores do planeta.
Veja também: O veneno nosso de cada dia
Veja também: O veneno nosso de cada dia
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